segunda-feira, 24 de agosto de 2009

MEMÓRIAS DA CASA DOS MORTOS

No ano de 1849, Dostoievsky foi condenado à morte e, minutos antes do seu fuzilamento, teve sua pena comutada para quatro anos de trabalhos forçados na distante Sibéria. Foi durante essa fase, que durou de 1850 a 1854, que o grande escritor russo escreveria essa obra – Memórias das casas dos mortos - que seria marcante em sua vida e em seu legado literário.
Este período de prisão, Dostoievsky transformaria neste grande caderno de coletâneas que retratam diferentes situações dentro da prisão. É uma coletânea documental, escapando da esfera do romance, baseada nas muitas anotações que ele fez dentro da prisão às escondidas, da testemunha que foi de muitos diálogos somadas as suas próprias impressões. Imaginem uma pessoa de sensibilidade apurada como Dostoievsky colocada a condições extremas de aprisionamento, tentem supor a dor desse confinamento?
Como elemento de construção da obra, ele cria um personagem chamado Pietrovitch, assassino confesso de sua mulher, e a partir daí, traça o cotidiano brutal dentro da prisão. O autor russo investiga a alma e a psicologia de cada prisioneiro, qual a reação de cada um quando colocado sobre extremado sofrimento físico e mental a que são submetidos dentro da prisão e como ela aniquila com a individualidade de cada um deles.
Interessante que, mesmo nessa época, o sistema prisional não se preocupa em ressocializar o preso, que unicamente faz fomentar o ódio e exilar da sociedade os infratores da lei. Memórias da Casa dos mortos foi um êxito literário na época de seu lançamento que, a partir dessa obra, lançou-se num novo momento em sua obra, carregando consigo a experiência de ter convivido com homens que não conseguiam separar o bem do mal – suas grandes obras nasceram a partir dessa vivência.
Um livro necessário, sobretudo para quem quer conhecer a fundo a experiência dentro de uma penitenciária, que quer testemunhar um universo onde não existem anjos ou demônios, somente homens que aprenderam a conviver com o ódio e o mal e deles não se desvencilham.

Citações:

Da falta de individualidade:

[...] Por exemplo, nunca pude compreender este fato estranho e misterioso de que, durante os dez anos precisos que durou a minha clausura, nem uma só vez, nem por um minuto sequer, me visse só. Para o trabalho ia sempre numa caravana, em casa estava sempre com os meus dois companheiros, um de cada lado, e nem uma vez sequer, nem uma só vez... sozinho. Pois também a isso tive de habituar-me. (pg. 16)

A brutalidade dos homens:

Eles insultaram de um modo perfeito, artístico. Elevaram o insulto à categoria de uma ciência[...]. (p.19)

O presidiário, de presidiário não passa; uma vez que se encontra nessa situação, já uma pessoa pode descer a tudo sem se envergonhar. Era esta a sua opinião exata. Lembro-me dessa criatura repugnante, como de um fenômeno. Vivi alguns anos com assassinos, com malfeitores repelentes; mas digo convictamente que nunca, até hoje, encontrei na vida uma degradação moral tão completa, uma depravação tão consumada e com tão insolentes baixezas como as que reunia A... V.... (pg. 89)

Os maiores desejos dos presos:

O preso está ansioso por dinheiro, até a vertigem, até a loucura, e se de fato o atira pela janela agora, quando o possui, faz isso por qualquer coisa que no entanto aprecia ainda mais. Mas que pode valer mais do que o dinheiro para o preso? A liberdade, ou então, uma pequena ilusão de liberdade. Os presos são grande sonhadores. (pp. 93-94)


De como o homem se adapta ao presídio:

Sentia-me no presídio como em casa, sabia o meu lugar nas esteiras e, pelo visto, tinha-me acostumado já as coisas às quais nunca pensei poder acostumar-me na vida. (pg. 110)


Logo no meu primeiro dia de vida no presídio comecei a sonhar com a liberdade. Calcular quando terminariam os meus anos de prisão, pensar em mil coisas diversas, constituía a minha ocupação predileta. Por mais que desejasse não podia pensar noutra coisa e tenho a certeza de que outro tanto há de acontecer a todo aquele que se veja por uns tempos privado de sua liberdade. (pp. 111-112)


De como os presidiários exercem o terror como forma de poder:

Quanto mais mansos forem antes mais fortemente desejam meter medo aos outros. Sentem prazer com este medo e gozam com a repugnância que inspiram. (p.124)


Dos flagelos recebidos pelos presos dentro da prisão:

Nas suas costas, banhadas pelo vapor, ressaltavam, de maneira geral, as cicatrizes das chicotadas e das vergastadas anteriormente recebidas, de maneira que pareciam ter acabado naquele momento de ser flagelados. Terríveis cicatrizes! Corria-me um calafrio pela pele, quando olhava para elas. (pg. 139).


DOSTOIEVSKY, Fiodor. MEMÓRIAS DAS CASAS DOS MORTOS. Romance/L&PM POCKET; 2008.

4 comentários:

G I L B E R T O disse...

Amigos e amigas!

Dou agora o pontapé inicial para colocal em dia minha seção de comentários literários que faz de nel mezzo del cammim.

Além de Memórias da Casa dos Mortos, de Dostoievsky, ainda faltam a Paixão Segundo G.H.; A cabana; e, O Guardião de Memórias, livros que recentemente acabei a leitura.

Sou daqueles que fazem parte dos pensadores como Monteiro Lobato, quando este diz que: Um pais se faz com homens e... Livros!


Estou fazendo a minha parte!!!!

Anônimo disse...

Olá, Gilberto! Recebi sua visita no meu blog e gosto de retribuir. Mas fiquei surpresa com seu blog, super interessante!
De Dostoievsky só li O Jogador, já leu?
Sinceramente, muito bom seu post. Parabéns!

Abçs

Anônimo disse...

Oi!
Gosto de Dostoievsky. Mas o "minino" difícil de ler só. Não sei se foi as traduções que não ajudaram mas no primeiro livro tomei um coro de fazer inveja.
Que bom que agora vamos trocar dicas de literatura, amanhã tb vou falar sobre o assunto. E por falar nisso terminei de ler o livro da Maya Angelou "Eu sei porque os pássaros cantam na gaiola". Ameeei!
Não sei se vc se lembra mas que me apresentou a Mya foi vc amormeuzinho.
Bjs.

Cris França disse...

Teu gosto para leituras é impar, eu já li este livro, e vc meu amigo é um erudito, não esperava menos do teu bom gosto. Um beijo