quarta-feira, 30 de julho de 2008

A CARTA DE SEATTLE

(poucas vezes você terá lido algo mais belo)


Em 1854, o presidente dos Estados Unidos fez a uma tribo indígena a proposta de comprar grande parte de suas terras, oferecendo, em contrapartida, a concessão de uma outra “reserva”. O texto da resposta do chefe Seattle foi tão importante que, até hoje, a ONU (Programa para o Meio Ambiente) o distribui para que a humanidade tome conhecimento.


Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível compra-los?
Cada pedaço desta terra é sagrada para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.
Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas Campinas, o calor do corpo de um potro, e o homem – todos pertencem a mesma família.
Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que quer comprar nossa terra, pede muito de nós. O Grande Chefe diz que reservará um lugar onde podemos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Essa terra é sagrada para nós.
Essa água brilhante que escorre dos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhe vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar às suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida de meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.
Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhe vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos, e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.
Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção de terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se incomoda. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra o seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.
Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda.
Não há lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreenda. O ruído parece somente insultar os ouvidos. E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento ancrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.
O ar é preciso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham do mesmo sopro – o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o ar que respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda vida que mantém. O vento que deu ao nosso avô seu primeiro inspirar também recebe seu último respiro. Se lhe vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o homem branco possa saborear o vento açucarado pelas flores dos prados.
Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais da terra como seus irmãos.
Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir. Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície abandonados pelo homem branco que os alvejou de um trem ao passar. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecer vivos.
O que é o homem sem animais? Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontece com o homem. Há uma ligação em tudo.
Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem as suas crianças o que ensinamos às nossas, que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.
Isto sabemos: a terra não pertence ao homem: o homem pertence à terra. Isto sabemos: todas coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo.
O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida: ele é simplesmente um de seus filhos. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.
Mesmo que o homem branco cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos – e o homem poderá vir a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar que O possuem, como desejamos possuir nossa terra: mas não é possível. Ele é o Deus do homem, e sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A terra lhe é preciosa e feri-la é desprezar seus criados. Os brancos também passarão: talvez mais cedo que todas as outras tribos. Contaminem suas camas, e uma noite serão contaminados pelos próprios dejetos.
Mas quando da sua desapropriação, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força de Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnados do cheiro de muitos homens, e a visão dos morros obstruídos por fios que falam. Onde está o arvoredo? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. É o final da vida e o início da sobrevivência.





A foto não tem relação direta com o texto, meramente para ilustração.

segunda-feira, 28 de julho de 2008


Um processo de criação pode ser mais ou menos intimista...



... Comparando isto ao ato de cumprimentar um amigo: Se você o cumprimenta com um aceno ou aperto de mãos, estamos sendo protocolares, cerimoniosos; se o cumprimentamos com um abraço ou um beijo, estamos nos tornando mais próximos, como se desta forma, fossemos mais amigos. Sei que em ambos os jeitos, a amizade pode ter a mesma intensidade, mas a segunda forma nos torna mais humanas, assim penso!



Com a criação do mesmo texto, é da mesma forma!



Quando se cria à caneta, se está mais próximo a ele, o sentindo mais, sendo mais dele, ele sendo mais seu!!!!



Fazia tempo que não criava à caneta, o computador tomou diversos espaços em minha vida.



Estou grato ao texto "Amor à primeira vista", em parte por ter tido sua gênese em Maringá/PR; em parte, por ter me mostrado novamente o prazer que é escrever com caneta e papel às mãos.

Instante em que a crônica "Amor à primeira vista" estava sendo criada em Maringá-PR.
Fragmentos do Diário NUNCA escrito por mim

Sem muito o que dizer....

Maringá, para mim, acabou-se hoje, quando cheguei exausto e com os olhos inchados de sono e de lágrimas.

Não tenho vergonha de confessar que chorei, que chorei por mamãe, por amigos, por Maringá!

Sinto saudade já da noite em Maringá, do seu cheiro, do seu sabor, de tocar o seu corpo negro e fresco, de respirar o seu ar feito de monoxido de carbono!

Deixem-se só, agora, quero refletir um pouco!

Saudades, enfim!

sexta-feira, 25 de julho de 2008

AMOR À PRIMEIRA VISTA


É provável que tenha sido na rodoviária.
Sim, foi na rodoviária. Lá, nesse ambiente hostil às emoções permanentes, adepto das coisas passageiras e de brilho fugaz. Porque a rodoviária é mesmo assim, a amante canalha que nos tira o gozo mais arrebatador, único e absolutamente intenso; e, depois, com uma lágrima nos olhos ou um sorriso na boca, parte para as distâncias, colocando quilômetros entre ela e nós. Canalhice e encantamento não são essas as principais idiossincrasias dos amantes?
Mas a rodoviária é somente um parênteses nesta história, a intenção não é ficar fazendo apologias a ela e seus devaneios cafajestes. Esta história fala de amor, um amor que nasceu à primeira vista, e da mesma forma repentina como surgiu, numa gênese inesperada; sumiu, perdido em meio à multidão, tragado pela maldição da rodoviária, apocalipse instantânea.
Lembro-me com generosidade nos elogios do porte elegante da mulher, andando desenvolta pelo caminho oferecido com a segurança dos que sabem bem o que querem. Seus cabelos eram negros e de tão negros se amalgamavam à noite; impossível descrever noite; impossível descrever cabelos. Seus olhos grandes brilhavam incandescentemente; a boca de lábios grossos sugeriam beijos e poesia deliciosa; a pele morena mais morena estava devido aos abraços “calientes” do sol que a visitava montado numa rotina de apaixonado; não vou mais insistir nesta descrição, não por cansaço ou incapacidade de ser fiel àquela musa inspiradora, e sim, para não serem-lhes enjoativo perderem-se numa leitura envolta em lágrimas de saudades misturadas a suspiros enamorados. Pieguice, não!
O fato é que ela surgiu numa das minhas muitas noites na rodoviária, veio distante, todo aquele corpo moreno esguil e atlético avolumando-se, tomando forma à minha frente. Eu a olhei com interesse redobrado, as paixões masculinas pelas belas mulheres nascem sempre desesperadas (e interesseiras!). Ah! Minha paixão nasceu ali, naquele único olhar, veio pura, cristalina, desprovida do contágio da lascividade. Não se enganem, entretanto, com toda essa santidade, minha beatitude em relação a esta beldade também carregava sua fração de pecado, ainda que empanados em poesia, meus pensamentos em relação a ela não eram de todos castos. Minha sinceridade anda me acusando o tempo inteiro...
E ela me sorriu. Pelo menos foi isso o que sempre pensei. Se com o olhar ela lançou em meu peito, solo fértil, registra-se, sementes de paixão, seu sorriso sublime adubou a tudo com amor. Amei-a em um relance, e este amor penetrou-me tão profundamente em meu coração, que mesmo hoje, quando sua presença é apenas um rascunho de memória, ainda exalo suspiros apaixonados. Existem aqueles que amam devagar, e este levam uma vida inteira para fazê-lo de verdade. Eu prefiro amar depressa, como a amei naquele momento e em outras tantas vezes pela vida. O que é certo, presumo, no amor e em todas as suas considerações, não é se amou devagar ou célere demais, muito menos a quantidade de amores que se teve, vale sim, é a intensidade com que se amou ou se ama.
Mas ela partiu, como os sonhos que partem pela manhã, ao despertarmos da noite de sono. Levou com ela todo o meu universo de expectativas erigido em sua homenagem. Fiquei sozinho com as névoas de um sonho, com os eflúvios de um desejo.
Não soube seu nome.
Não soube de onde veio ou para onde foi.
O que importa saber é que a amei intensamente num primeiro momento, e os ecos deste instante me acompanharão por toda minha existência.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

O ROSTO NO ESPELHO

Eu olho no espelho e busco reconhecer o rosto que vejo.
Não o reconheço, não sou mais eu que estou ali.
Condeno o espelho, chamando-o de cruel.
Mas Deus, não há crueldade na verdade!
As marcas que se cravam em meu rosto é meu passado.
Cada ruga conta uma história.
O sorriso gasto é fruto de minhas aventuras
(voluntárias, involuntárias!).
Os cabelos ralos, sobreviventes de dias difíceis.
Os olhos guardam um brilho opaco, algo tépido.
Eu olho no espelho e busco reconhecer o rosto que vejo.
Busco reconhecer este homem que insiste em ser-me intimo.
Aonde? Aonde? Aonde este homem nasceu em mim?
Este ladrão de minha eterna juventude.
Não há como brigar com o inexorável.
Não sou o maior herói da resistência.
O tempo passou, eu sei agora, e preocupado com as batalhas,
Esqueci de cuidar um pouco de mim.
Esqueci de perceber que mesmo entre ervas daninhas,
Nascem as flores mais belas e, preocupado com os espinhos,
Deixei de sentir o seu aroma doce e delicado.
Deveria ter percebido que em meio a brutalidade desta guerra,
Os verdadeiros vencedores foram aqueles que mais sorriram,
Foram aqueles que enxergaram a guerra com otimismo,
E que guerrear por guerrear não faz e não fez de mim um bom soldado.
Não fui covarde, ganhei muitas medalhas de bravura,
Mas todas elas foram decorar minhas paredes.
Penduricalhos tolos que de nada me serviram.
A verdade é que entrei nas guerras erradas,
Fui herói em batalhas que nunca foram minhas.
Eu olho no espelho e busco reconhecer o rosto que vejo.
Ele me sorri, e abre os braços num convite para um abraço.
Apesar de tudo, eu me reconheço...
Eu me reconheço...
Eu ainda vivo nele, neste rosto marcado,
E ainda tenho sonhos para queimar!
Se a juventude não foi uma benção,
A velhice não precisa ser necessariamente uma maldição!
Eu olho no espelho e sorrio para o rosto que vejo!

sábado, 12 de julho de 2008

Fragmentos do Diário NUNCA escrito por mim
Sem muito o que dizer.... existem momentos que as simples exposições dos fatos falam por sí só, sem a necessidade de grande elenco de palavras.
Desde dia 10... em Maringá!
De férias!
Com mamãe!
Com os amigos!
Agora é calar.... e gozar os momentos de felicidade!!!!

domingo, 6 de julho de 2008

SOBRE AMIGOS E FILOSOFIAS...


Sua formação intelectual calcada em Dostoyesvky, Cervantes, Hemingway, Hitchcock, Pessoa e Neruda lhe deram um intenso senso de cultura e uma requintada noção de sensibilidade sobre todas as coisas – comemoremos, mais um poeta no mundo – entretanto, toda essa bagagem só lhe permitiu alcançar um papel periférico nas oportunidades profissionais.




Não me perguntem os motivos, eu não saberia descrevê-los, porque alguém tão especial não conseguia traduzir suas potencialidades em algo mais palpável para sua existência...


Talvez, estejamos todos fazendo as perguntas erradas.


Será realmente mesmo tão importante o sujeito ter um belo cargo público? Será mesmo tão importante o sujeito ser um notório empresário, bem sucedido no mundo dos negócios?


Estas perguntas funcionam com algumas pessoas, mas não com todas. Existem aquelas que acreditam ser mais importante viver sem estas preocupações todas de sucesso profissional, sem quaisquer discussões meritórias se elas estão erradas ou corretas. O importante, ao final de tudo, é que cada um seja feliz na forma que consiga sê-lo.


Sei que estar perto dele era algo realmente diferente. Era um exercício poético pleno. Sua sensibilidade aflorava em cada frase. Seu olhar buscava sempre o interior das coisas, como se as coisas não possuíssem cascas ou quaisquer vestimentas, estando sempre nuas para ele. Suas frases eram versos calmamente construídos, possuindo uma erudição algo rara, uma citação aqui e ali, uma figura de linguagem acolá, em todos os sentidos geográficos de sua fala o conhecimento transbordando de uma forma viva e vibrante.


Não vou dizer que sentia inveja dele, inveja é um sentimento ruim e me furto o direito de possuí-lo. Transformava-o, na verdade, num modelo a seguir, ainda que meus valores pessoais impediam-me de ser semelhante a ele. Em minhas concepções de vida abundavam sentimentos de que felicidade está atrelada a minha capacidade de consumo, um jeito capitalista de ver as coisas que extirpa todas outras noções filosóficas de felicidade. Gente como eu, acha gente como esse meu amigo, maluco, e coloca o que é mais fundamental para ele na periferia de nossas preocupações diárias. Será que conseguem-me entender todos vocês? Ainda que admirasse a sua forma de viver, não possuía a coragem necessária de encarar aquele modelo. Porque, acredito, ainda que haja esta competitividade absurda, ser feliz através da futilidade das materialidades é mais fácil. É uma felicidade que se compra no primeiro Shopping, na concessionária da esquina. O modelo dele não. Tem de ser trabalhado, é uma conquista diária, é saber que sofrimento também faz parte da construção de cada ser humano e sem ele não conseguimos atingir um estágio superior. Quem está realmente disposto a sofrer para melhorar?


Acabei por me afastar dele.


Seu jeito de viver intenso era algo que acabava incomodando.


Seu jeito de ser, sua perspicácia, seu poder de observação, tudo isso conquistado em seu quotidiano e em anos de dedicada leitura fazia com que todos nós outros, que estávamos ao seu redor, ficássemos como eternos espectadores de seus solilóquios involuntários.


Não sei o que ele é hoje na vida. Como ganha a sua vida profissionalmente, se casou e mesmo se está vivo. Sei que o sinto nas coisas, num jardim, no sol que nasce e se põe, naquelas coisas poéticas que ele costumava chamar-me a atenção enquanto conversávamos sobre livros e filmes, sentados de frente para a vida em um galho de arvore ou mesmo no meio fio de uma calçada de uma rua qualquer no final do mundo.


De minha parte, não mudei muito. Continuo correndo atrás de muitas coisas e todas elas me fazem correr ainda mais atrás de outras, nenhuma delas me satisfazendo plenamente. Desafrouxo o nó da gravata, coloco a pasta cara encima da mesa e olho para o horizonte por uma janela de um escritório chique o bastante para impressionar as pessoas mais tolas e mesquinhas que eu próprio. Somos todos pequenos, penso, enquanto meu olhar busca meu amigo em uma distância impossível para eu percorrer. Alcançam-se facilmente todas as coisas que estão separadas pelo espaço, fica bem mais difícil alcançar aquelas coisas que estão incrustadas no tempo, impossível alcançar àquelas que estão separadas de nós pelo espírito.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

AFRODITES


As duas surgiram de repente, quando as tesouradas da cabeleireira derrubavam estilhaços dos últimos heróis da resistência em minha cabeça. Jovens, belas, sorridentes, bem humoradas, com aquele olhar de que tudo o que é importante está ali com elas. A juventude nos permite esta arrogância, acreditar que o mundo é nosso quintal, e que o tempo é um senhor de barbas brancas algo gagá, que está tão preocupado com outras coisas que se esqueceu de nós.


Elas puxaram conversa com a outra jovem que estava por ali, tão nova quanto elas próprias, tão bela quanto elas próprias, a juventude tem este dom, transforma todas as mulheres em Afrodites. Fiquei por ali, fingindo interesse pelas tesouradas, todos os sentidos viajando pelas palavras das três jovens, respirando o mesmo ar que elas, banhando-me com o brilho daqueles sorrisos mágicos. Ah! Uma mulher encanta um homem...


Uma brisa tocou-me a pele após roçar as delas; o sol lá fora, ofuscou-se ao sorriso das garotas; uma delas cruzou suas pernas, enquanto falava de música e brincadeiras juvenis; outra olhava meu reflexo no espelho de viés, entretida com a habilidade da cabeleireira; a terceira, passava a mão pelos seus cabelos, como se eles fossem uma cascata de águas negras que caiam sobre seus ombros brancos e nus, belo contraste. E eu ali, encantado, a olhá-las de mansinho, roubando em cada olhadela furtiva a beleza de suas aparências inocentes.


De repente, como se soasse um clarim para despertar-me de um sonho, a cabeleireira anunciou o término do trabalho.


Caramba, o tempo é mesmo relativo!!!!


Olhei para meu reflexo no espelho e vi o tempo, na marca dos olhos, no sorriso gasto pelos vincos. Voltei meus olhos para as pequenas e jovens Afrodites e lá estava ele novamente, o tempo, brincando de roda naquelas peles lisas e suaves, esticadas como se fossem o mais belo de todos os cetins.


Ainda arrebatado, parti, entretido com devaneios sobre tempo e juventude que partem para terras longínquas. Já na estrada, fui acordado pelo beijo de meu filhinho. Olhei pelo espelho retrovisor do carro e um anjo em seu viço de idade me sorriu com seu rosto mais belo, com alguns dentes ainda não nascidos, com a inocência em seu esplendor. Era o tempo dizendo-me para me acalmar, a mocidade é um bem transitório, para todos nós...
O tempo e a estrada, estes dois longos caminhos, levavam-me para longe daqueles momentos poéticos, sobrevivia nas narinas, o frescor e o perfume das três Afrodites. Pois sei que estas, num dia desses qualquer, bem modorrentos, terão as suas tenras e frescas idades também colhidas no jardim da vida, porém, nunca em minha memória terrena, neste prado elas serão sempre jovens, arte, poesia, esculturas em pedra paixão.


Ah! Juventude, esta bela flor do jardim do tempo...

Dedicada a todas as Afrodites de Vicentina, Fátima do Sul e Culturama.

AFRODITE: Deusa grega da beleza e do amor.