terça-feira, 1 de dezembro de 2020

LINHA DE FRENTE

 


Não os encontrarão nos salões de festa...

Se veres um ajuntamento de covardes,

Essa não é sua gente.

Eles os desconhecem.

Sem problemas com eles.

Tudo bem... simplesmente não são

A sua turma.

Os bajuladores, estes existem aos montes,

Os encontra debaixo da mesa do rei,

Esperando cair as migalhas que caem.

Não os verão com eles.

Sem problemas com eles.

Simplesmente, não são sua turma.

Ao soar do apito,

Todos correm para a porta de saída.

Eles não... Vão para dentro do olho do furacão.

Olhe para dentro de seus olhos....

Olhe... Se tiveres coragem... olhe....

Tem sangue lá dentro...

Nas suas bocas, o gosto da adrenalina.

No peito um forte coração

gritando: “É tudo conosco!”

Essa gente é o alicerce

Do reino dos cadeados.

Tudo se ergue sobre

os seus ombros de Atlas...

Desculpem-me todos os outros...

Desculpem-me todos os demais lugares,

Essa gente se esqueceu um dia o que é ter medo.

Andam nas madrugadas flertando

segredos de sobrevivência com a morte.

Essa gente são os policiais penais,

Vivem na linha de frente,

Dentro do pavilhão,

Olho a olho com o ladrão...

E é lá, na porta desse inferno,

Que voce os encontrará...

Sejam bem-vindos todos

Aqueles que tiverem coragem...

 

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

RONDA NOTURNA

 

          Na profissão penitenciária são vários os momentos de estresse maciço.

A ronda noturna é um deles.

Inegável são os perigos que envolvem essa ação. Ela é um salto no desconhecido, um mergulho dentro da noite, um flerte com o perigo, esse sentimento que vive se insinuando para o policial.

Não dá medo? Alguém em algum lugar pode se perguntar...

O homem não pensa nisso... ele desde muito cedo aprende a lidar com o medo, domestica-o e ele perde sua crueldade, acompanha-o por toda a parte na profissão, agora preso em uma coleira. Desta forma, e, somente desta forma, o medo não tem força para mudar o homem, ou fazer com que desista, ele não consegue determinar quem ele é ou o que ele pode fazer.

Domesticar o medo é o maior ato de coragem de um indivíduo, ele sabe do medo, reconhece-o, mas olha dentro dos olhos dele, domina-o e segue em frente. Antes de vencer o adversário, o herói vence a si mesmo.

Saibam, entretanto, que o medo só vive no primeiro passo, ali é a sua casa – depois de vencido esse passo – já era, o medo está derrotado, vira rotina.

Com o tempo, aprende-se a amar as rondas.

Quando um grupo dessa gente se joga dentro da noite numa missão dessas, o sentimento que se tem é que você não é mais você, fazes parte de algo maior do que tu próprio.

Nessas missões, tu cuidas do seu companheiro e ele cuida de você. Caminhas para dentro do furacão e se faz isso em meio a sorrisos e gargalhadas que escapam das “mulas”, das brincadeiras. Nessas horas, o estresse se dilui e o êxtase toma conta do grupo.

Se olhas para o lado, o perigo está lá, te acompanhando por onde quer que entres, mas se ri dele, debocha-se dele. E o medo? O medo ficou para trás, prisioneiro no primeiro passo.

Dia desses, numa ronda dessas, olhei para trás, para dentro do primeiro passo e vi o medo aos cochichos com o perigo, perguntando para ele sobre quem seria essa gente que não o respeita nem o teme... e o perigo, todo respeitoso e cheio de admiração, respondeu:

 

- Eles são policiais penais! 

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

SONETO PARA APRENDER A ORAR

 


Venhas, venhas falar comigo!

Estou sempre aqui a te esperar.

Eu sou o teu melhor amigo,

E amo muito contigo conversar.

 

Se vieres de noite, estarei acordado.

Se vieres pela manhã, estarei despertado.

Não importa se vens alegre ou desesperado,

Comigo jamais estarás desamparado!

 

Quando estiveres triste, venha até mim!

Eu te consolarei com alegria sem fim.

Seu coração não me tem nenhum segredo,

 

Só não podes mesmo é ter qualquer medo.

Venceremos tudo se juntos a gente estar,

Meu filho, tua vitória está sempre no orar!

 

 

 

 

sábado, 17 de outubro de 2020

O RIO E O MAR

 


Tu, Pai, é mar d’águas!

Puras.

Límpidas.

Cristalinas.

Grandioso mar d’águas.

Tua voz envolve o mundo.

Encanta o mundo.

Quem nunca se encantou

Com o maravilhoso som do mar?

Tua voz, Pai!

 

Eu sou rio!

Rio cheio de curvas,

Fundo aqui,

Raso ali,

Desajeitado no todo.

Aguas poluídas.

A humanidade mais polui

Do que limpa.

Sou mesmo o rio.

Consciente que é imperfeito.

Por isso o rio sonha...

Sonha com o mar...

E nunca para...

Todos os dias, busca o mar,

Desagua no mar...

No mar, o rio se encontra.

 

Sou como o rio, Pai!

Busco a Ti todos os dias!

Desaguar em Ti

Como um rio que se completa no mar.

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

 

 

 


Dia desses

Acordei de madrugada,

De súbito,

Sem motivos,

Sem barulhos,

Sem nada...

Simplesmente acordei... e pronto!

Olhei para você ao lado

E dormias.

Respiravas mansinho,

Os olhos fechados

Mergulhados num sonho

Que somente você sabia o que era.

Fiquei ali, quietinho,

Vigiando você.

No silêncio do quarto,

Tua respiração

Era o contraponto do som

Que vinha das batidas

Do meu coração excitado.

Excitado por te ver...

Assim...

Tão quietinha,

Tão linda,

Tão minha.

De repente, você se mexeu.

Assustei, não queria acordar você.

Virastes para o lado,

Coloquei a mão sobre você,

Sem tocar... sem tocar...

Voce continuou dormindo...

Depois,

Deitei-me também,

Devagar,

Fechei os olhos e

Senti o sono chegando,

Junto dele em sua algibeira

Um sonho....

Sonhei com nós dois

Andando de mãos dadas por um jardim.

Meu rosto se encheu com um sorriso.

O quarto se encheu com um perfume

Que veio não se sabe de onde.

Viramos, ambos, de lado,

Abraçamos um ao outro.

E dormimos o resto da noite,

Inteira,

Assim....

Sonhando juntos um sonho de amor...

sexta-feira, 17 de julho de 2020

POEMA QUE COMEMORA TUA BELEZA



Meu amor,
Mais lindo que o amor!
Estavas ainda mais bela nessa manhã.
Radiante estavas como se fosse
O primeiro raio de sol que rasga
O pano negro da madrugada.
Perfumada estavas, invejavas
A primeira rosa que nasce na primavera
Do mais lindo entre todos os jardins.
Por tão linda que estavas
Ruborizavas esta rosa...
E mais vermelha ela ficava!
Saístes e corri a abrir a janela,
Para roubar da chance
Uma última oportunidade de te ver.
Não me vistes...
Entretida estavas com tuas coisas...
Simplesmente partistes...
Aqui ficou o vazio,
Um abismo sem fundo
Incapaz de ser enchido com mais saudades.
E fiquei na janela, parado,
Por um momento,
Dois momentos,
Numa espera tola de que retornasses,
Esquecida de alguma coisa,
Movida por alguma coisa,
Mas alguma coisa não aconteceu...
Resignei-me...
Retornei para mim mesmo...
Vá, meu amor, vá!
Seja luz e sal nesse mundo
Negro e insosso.
Esparrame excelência como
O semeador lança
Sementes na boa terra.
Depois volte!
Volte para casa e para mim.
Eu te aguardo com fome e sede...
Meu amor, mais lindo que o amor,
Estavas tão mais linda hoje!!!!

terça-feira, 14 de julho de 2020

HERÓIS ANÔNIMOS


               
O interno olhava através de uma fresta no tapume que lacrava a janela que dava acesso para o pavilhão inimigo.
Este tapume lá estava para evitar contatos desnecessários entre os pavilhões que se diziam adversários.
Adversários?
Cadeia é tudo teoria.
O que pode ser, pode não ser; e o que não pode ser, pode ser.
Entender esses dois polos transforma o seu sabedor em alguém especial lá dentro do reino dos cadeados.
Alguns chamam esses sabedores de inteligentes, costumo chamá-los de sobreviventes.
Quando o policial penal passou indo em uma missão, isso chamou a atenção do preso curioso.
Olhou para o polícia e o convidou para uma conversa.
- Senhor, esses caras aí são muito mulambos... que sujeira dentro das celas...
O duplo “P” aceitou o convite.
- Certa vez, um sujeito bandido, me disse uma coisa que eu guardei para mim como verdadeiro.
O preso se interessou.
- É mesmo, senhor! O que foi?
- Ele me disse assim: Seu Polícia eu sou bandido, mas nem por ser bandido eu preciso ser mal educado e mulambo. Minha cela e minhas coisas são limpas, senhor, assim como procuro deixar limpo meu comportamento...
O preso deixou-se fascinar, percebia-se em seus olhos. Captou alguma sabedoria na frase de seu igual que veio do passado navegando pelo oceano do tempo dentro de uma nau de reminiscência.
- Sabe senhor! Meu avô foi pai de 12 filhos.... Criou todos eles sozinhos, sem ajuda de ninguém, sem roubar um palito de fósforos. A frase que ele sempre dizia era essa: malandro sou eu, criei doze sem roubar nada de ninguém... e ele ria senhor, não esqueço seu olhar e seu sorriso.
O policial ficou surpreso com a breve história. Essas pequenas conversas são raras dentro do reino dos cadeados, muito mais raras são aquelas que nos deixam algo que nos ensinam, que nos elevam para um patamar além do que estávamos. O destino de todo homem é aperfeiçoar-se, ser melhor hoje do que foi ontem. A estagnação é uma maldição, o retrocesso a maior das tolices.
- Todos os dias a mídia escolhe e elege seus heróis. Saibas que são todos eles falsos. Os verdadeiros heróis são esses homens e mulheres como seu avô, que sozinhos, contra todas as contingências e contrariedades da vida, criam 12 filhos sem serem pesados para ninguém, sem roubarem nada de ninguém, confiando apenas em Deus. Benditos sejam esses heróis. Seu avô foi um herói!
- É... Verdade, mesmo! Meu avô foi herói, senhor! Eu é que estraguei tudo....
O Policial Penal sentiu que o interno se emocionou. Ele pediu licença e saiu, indo para o lado contrário. O agente ficou ali, a observa-lo, ainda deu tempo de ver que, no chão que pisava o preso, uma gota de lágrima caía, grossa, cristalina, cheia da gordura que o sofrimento produz. Os fornos mais quentes da sabedoria são o do sofrimento, felizes aqueles que a conquistam sem serem submetidos a esse fogo abrasador.

domingo, 14 de junho de 2020

AO APAGAR DAS LUZES...



para Drúcila Reis Mendes

Quando se silenciam todos os gritos,
Quando se apagam todas as luzes
Das arenas de todos os amores.
Quando todas as declarações de amor
Retornam para as gavetas dos
Criados dos quartos dos amantes,
É nesse momento, meu amor,
É nesse momento que eu surjo
Dos bastidores de toda a empolgação.
Todos eles já desceram dos palcos,
A poeira já começa a se ajuntar
Em cima dos tablados.
Eu surjo quietinho,
Não gosto dos alardes intempestivos
Das datas ditatoriais.
Eu gosto é da surpresa,
Da epifania que se desgarra
do cinza cotidiano.
Saio do frio do ostracismo,
Movido pelo calor do sol
De meu amor por você.
Esse amor que me aquece todos os dias.
Que me dá vida todos os dias.
Que me ilumina todos os dias.
Quando enfim, ele se levanta,
Numa eterna aurora que nunca se finda,
Impulsiona-me a vir até você
E dizer que te amo,
Dentro dum momento que não se encerra,
Um momento que se enclausura dentro
De um casulo de sentimento,
E o que eclode nessa metamorfose
Não é mais o instante,
É a longa eternidade.
É assim que eu gosto de aparecer,
Fora da sazonalidade dos “Eu te amo”.
Quando se cala a multidão de amantes,
Surge a minha voz dentre esse silêncio
Que se instala para te confessar:
Eu te amo!
O palco agora é todo meu,
Unicamente meu,
E meu sentimento,
Oh, meu mais que amor!
Ele é unicamente teu!

segunda-feira, 1 de junho de 2020

CARTA PARA O FILHO QUE AINDA NÃO CHEGOU...


dedicada ao filho do amigo Sotolani
Meu querido filho!
Papai sempre pensou que conhecia o sentido da vida,
Que o passar dos dias estivessem dentro de uma
Normalidade e encaixadas de forma racional.
Acreditei um dia, meu filho, que conhecia a felicidade.
Pensei que as minhas gargalhadas eram expressão
Dessa alegria esfuziante que nascia do convívio
Com amigos e demais pessoas.
Ah, meu filho lindo! Papai pensou tantas coisas,
Colocou sua melhor fé em coisas que hoje
Cheiram e soam pagãs.
Não as desprezo,
Todas as coisas me trouxeram até aqui
E de alguma forma elas me fizeram o que sou.
E o que sou me ensina que posso melhorar
No novo dia que Deus me dá.
Essa é a intenção mais nobre do meu coração, meu filho!
Ser melhor no novo dia que está para nascer.
Não há qualquer porção de orgulho e arrogância nisso.
Enxergue isso como humildade,
Essa qualidade nos faz mais nobres.
Quero ser melhor não para minha própria exaltação,
Estou imune a esses pensamentos e a essa perspectiva.
Quero ser melhor primeiro para Deus, nosso Pai,
E depois para você, meu filho.
Quero que tu vejas em mim um norte,
Uma bússola,
Um exemplo.
Quero ser um espelho do que Deus espera de mim,
E que tu ao se veres neste espelho,
Enxergue a tua própria imagem e vida, meu filho.
Estou tão feliz hoje, Victor!
Voce ainda não chegou e já me ensinou tanto.
Me mostrou o sentido da vida,
Tua vida é um milagre,
E esse milagre me mostrou Deus,
E Deus me deu você.
Te amo tanto, não conhecia essa forma de amar,
Nem sabia que dentro de um coração coubesse tanto amor.
Fique em paz, filho!
Estejas quietinho e sossegado no colo de tua mãe.
Não tenhas medo aqui de fora!
Papai estará sempre aqui... ao teu lado...
Se houver lagrimas, eu as enxugarei...
Se houver sorrisos, sorriremos juntos...
Tua primeira queda será em meu abraço
E do meu abraço jamais se livrará.
Eu te amo, Victor!
Te espero como as flores esperam a abelha,
Como o alvorecer que só se faz com o sol,
Como a terra anseia beber a chuva.
Venha, filho! Venha...
Nada mais faz sentido sem você aqui.
Papai te ama muito!
Venha, filho! Venha!
E que Deus abençoe toda a sua vida!

sábado, 30 de maio de 2020

QUANDO O ANDARILHO SE ENCONTRA...


   
pequena homenagem ao dia 30 de maio

Fui um andarilho.
O pior deles, sequer sabia que era um.
Acreditava que a minha vida estava em minhas mãos,
Quando ela escorregava por entre os dedos,
Feito um punhado de água.
Um dia, entretanto, te encontrei numa dessas curvas
Que a vida nos apresenta.
Estavas à beira do caminho,
Ajoelhada e de face voltada para o céu,
Pois para o céu sempre foi teus olhares e
Teus mais íntimos e nobres pensamentos.
Desviastes do Divino teus olhos,
Por um breve momento,
E olhastes dentro dos meus.
Sorristes... sorristes na face e na alma.
Recebi seu sorriso, na face e na alma.
Aconchegastes minha cabeça em teu colo,
E tuas mãos suaves e delicadas
Afagaram meus cabelos
Como se tricotasse paz e sossego.
Conversamos... sobre pequenos príncipes e
Sobre contingências da vida,
Falamos sobre Deus e aprendi
Coisas que nunca havia ouvido sobre o Aba.
Quando nos despedimos,
Eu voltei para meus caminhos andarilhos,
Voce para suas orações.
Eu não caminhava mais sem rumo,
Buscava uma estrada que levasse até você.
Tu me acrescias em teus clamores,
A minha vida alcançava suas súplicas e
Através de você, o céu.
Linda intercessora.
N’outro dia, eu voltei.
Não mais andarilho.
Sabia agora para onde ia,
Para onde queria chegar.
Abristes a porta de tua casa novamente,
Abristes também o teu coração,
Entrei em tua casa,
Refugiei-me em teu coração.
Quando ajoelhastes naquela noite,
Não o fizestes mais sozinha.
Eu estava contigo...
Orava contigo agradecendo as bênçãos desse amor.
Obrigado, Senhor! Obrigado!
Clamei ente lágrimas para o Aba.
Fui andarilho nesta vida,
Andando por muitos corações áridos,
Mas Tu me trouxestes para o meu lugar,
Debaixo de Tua mão
E dentro do recinto onde mais amo estar:
O coração do meu amor!
O Aba sorriu feliz...
... e eu mais ainda!!!

quarta-feira, 29 de abril de 2020

23 PINOS



Colou na grade do raio e pediu ao policial penal para sair.
O segurança olhou para ele e num vislumbre entendeu que a coisa era séria.
Academias e manuais ensinam, experiência ensina muito mais.
Assim que pulou para fora, meteu a mão por dentro da calça e entregou um chucho enorme, mais ou menos 38 centímetros, a ponta mais fina que maledicência.
Foi para a sala do chefe.
Essas situações exigem um pouco de conversa e muito de documento.
Enquanto isso, um grupo de sentenciados colavam na grade logo atrás, quando viram ele saindo do pavilhão, foram fazer algumas averiguações e logo descobriram o motivo: haviam sido furtados!
Ladrão que rouba ladrão tem sete anos de perdão???
Começou uma agitação, um falatório nervoso que foi contido pelos policiais penais.
A cadeia remexia-se regurgitando sua podridão.
O jovem ao chegar entregou todo o serviço.
Não se fez de rogado, estava arrependido e isso era transparente.
De noite, alguém colou nele e o convidou para cheirar um pino.
Ele era viciado, muito viciado.
O pino solitário alvoroçou todos os instintos malignos dentro dele, algo que estava adormecido acordou com fome, ele precisava de mais, mais, e como ter mais se não tinha dinheiro.
Um demônio sugeriu em seu ouvido desatento e insipiente: pegue o dinheiro da cantina da população, ninguém vai saber... ninguém vai saber...
Dentro do raio, alguns internos exercem algumas funções para o benefício de todo o grupo ali alojado. Isto tem remuneração, pouca ou muita, sempre tem remuneração.
No caso desse jovem, ele era o cantineiro.
Portanto, o dinheiro da população que fazia pedidos na cantina da penitenciária estava todo ele na mão dele – nesse dia duzentos e trinta reais.
Não se fez de rogado.
Pegou o dinheiro guardado, foi na boca do raio – para quem quer se perder o capeta sempre tem uma porta belíssima de entrada – e gastou todo o dinheiro em 23 pinos.
Cheirou todos eles, na madrugada.
Quando a alvorada chegou expulsando todos os demônios, o anjo do juízo chegou esparramando sua luz.
O ladrão caiu em si.
O capeta tinha ido embora, o efeito da droga havia passado e tudo o que sobrou foi um monstro chamado arrependimento arrastando suas correntes no sótão de sua consciência e uma conta de 230 reais para pagar, uma fortuna, que ele não tinha como satisfazer.
Só havia uma saída... Se jogou do raio...
Os papeis foram feitos, lagrimas foram derramadas, o azeite do arrependimento deixou o seu rastro pelo corredor e por onde quer que ele passou.
Na cadeia, entretanto, arrependimentos não pagam contas.
Só existe duas formas de se pagar contas dentro da quimera: dinheiro ou sangue.
A primeira ele não tinha e a segunda não o agradava.
Subiu para a cela disciplinar, chorando e consternado.
Quando passou em frente o pavilhão uma dezena de olhos grudaram nele.
Ele não olhou, mas sentiu a pontada das facas que lhe eram atiradas.
Uma voz, entretanto, escapou em meio a turba, fina e delicada que soava diferente naquele lugar.
- Que é isso irmão? Vai sofrer naquele lugar... aqui é a sua casa, vamos conversar, tudo tem jeito... chega aí... chega aí...
Pararam. O jovem era escoltado por dois policiais penais.
O ladrão de fora olhou para o ladrão de dentro.
Seus olhares duelaram no grande corredor.
O que havia furtado viu dentro do olho do outro a morte vestindo-se de donzela convidando-o para fazer amor.
Ele soube dentro do seu coração que dentro da cadeia não existe gentilezas.
Olhou para os agentes que o escoltavam e decretou: Pode seguir o cortejo, Senhor!
Seguiu para ser encaixotado.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

COMPLETITUDE


para Drúcila Reis Mendes

Com você, unicamente com você, eu me completei.
Não me peça para explicar isso de uma forma compreensível.
Existem coisas nessa vida que não se explica razoavelmente,
Apenas se sente... apenas se sente...
Tentarei explanar do jeito que sei, que consigo,
Para que tu consigas minimamente entender...
(se é que é possível entender...).
Quando vês a rosa no jardim,
Bela e radiante,
Vestida de beleza,
Perfumada como que para um baile,
Sabes e reconheces todos esses atributos,
Não sabes, entretanto, de onde vem eles todos.
Estão ali... e pronto.
Voce os aceita.
Voce os reconhece.
Voce os ama.
Pronto.
Sem explicações maiores.
Sem conceitos ou definições.
Sem razões.
Voce se deixa encantar por ela
E segue sua vida suspirando amores,
Amores que nasceram da visão da rosa.
A rosa é o que é,
Não apenas por ela mesma,
Existem uma série de fatores que concorrem
Para que sua beleza surja exuberante
Entre todas as flores do jardim.
Deus. Água. Sol. Terra adubada. Enfim... enfim...
Tudo se completa para tornar a rosa feliz,
E feliz, a rosa faz todos os outros felizes.
Assim sou eu com você.
Feliz, absolutamente feliz.
Completo, absolutamente completo,
Igual a rosa no jardim...
Sem explicações de como sou,
De como me tornei... assim...