sábado, 30 de agosto de 2008

UM DOCE DE GURI


Escapava, de mansinho, pela porta dos fundos da casa. Livre, corria com um sorriso nos lábios, os braçinhos infantis balançando ao vento; nos olhos, o brilho pueril de estar cometendo uma travessura. Doces travessuras! No sentido literal e etimológico da palavra. Em suas fugas vespertinas, corria a doçaria vizinha à sua casa. Estando lá, de uma janela que dava de frente com o dono do lugar a preparar os doces, ficava ali, admirando, a barriga a roncar sonhos de guloseimas. Não demorava muito e o anjo da guarda que protege as crianças dava sua singela contribuição. Um dos doces que estava sendo preparado para o comércio, quebrava-se, repentinamente, inutilizando-se para a venda. O dono sorria olhando o garoto fujão e pegava o pedaço do doce e enchia-o com calda de doce de leite. O garoto sorria, o sorriso mais puro, mais cristalino, que pode haver para sorrir. E o homem, satisfeito, voltava ao seu trabalho, não sem antes de ver o afã com que o quitute desaparecia na boca do menino. Então, homem e garoto, conversavam de coisas que só se podem ser conversadas entre homens e meninos de boa vontade. O garoto perguntava, repetidas vezes, e o homem, paciente, respondia-o. Daí a instantes, o guri desaparecia e atrás deixava no homem a certeza de seu retorno no dia do amanhã, quando então, quebraria mais um doce para o garoto. Com essa desculpa, aplacava a ira da mãe do fujão que o achava a incomodá-lo. Pobre mãe! Justa mãe! Ela não sabia que o sorriso do garoto ao ganhar o doce quebrado, sorriso de anjo, era o preço mais valioso que ele recebia por um de seus doces!!!

terça-feira, 26 de agosto de 2008


Sanatan estava recitando o seu rosário junto ao rio Ganges, quando um brâmane esfarrapado aproximou-se dele e pediu: “Uma esmola para este pobrezinho!”

“Já dei tudo o que possuía” – respondeu Sanatan. “Agora só tenho o meu pratinho”.

“Mas o meu Senhor Shiva veio ao meu encontro em sonhos” – disse o brâmane – “e aconselhou-me a procurar-te”.

Sanatan lembrou-se de que havia encontrado uma pedra preciosa entre os cascalhos da margem, e a enterrara na areia, pensando em um dia alguém poderia precisar. E mostrou o lugar para o pedinte.

O brâmane ficou surpreso, e foi desenterrar a pedra. Depois sentou-se no chão, pensativo, até que o sol caía por trás das árvores e os pastores voltavam para casa com os rebanhos.

Então levantou-se, foi devagar até Sanatan, e disse: “Mestre, dá-me um pedacinho dessa riqueza que despreza toda a riqueza do mundo”. E atirou a pedra preciosa na água.



Poema de Rabindranath Tagore, poeta indiano ( 1861-1941), de sua obra A colheita, poema 27, 1991, Edições Paulinas.

sábado, 23 de agosto de 2008

O DONO DA BOLA
(Versão Dois)

Era o dono da bola.
E não só da bola como do campo, do jogo de camisas, de tudo, enfim.
Nos finais de todas as tardes, lá estavam eles todos, no campinho de terra conhecido por pequeno coliseu, aguardando pelo jogo de futebol. Chamar o que jogavam de futebol era uma daquelas hipérboles suntuosas. Um bando de guris de um lado, um bando de curumins do outro, e a inocente bola sendo atirada de um lado para o outro a base de caneladas e patadas, em meio a uma algazarra demoníaca. O que se via, freqüentemente, eram algumas canelas roxas e uma exaustão de xingos e blasfêmias sem precedentes.
O certo é que o cara era um chato, mas o dono da bola. E essa “qualidade futebolística” que lhe foi conferida pelo seu poder econômico, fazia-o ser escolhido por primeiro, a maior de todas as honras entre a gurizada. E isto, era a maldição do time em que caia, afinal, o cara era o maior “perna-de-pau” que a pequena cidade havia conhecido desde a sua fundação. Seu jogo era baseado em “vivas são João” na área, sua posição predileta era a banheira e, quase sempre, para não dizer todas as vezes, errava os gols, por mais feitos que estivessem. Arre! Era um grosso!!! E, não havia a menor possibilidade de reclamar, de apresentar uma crítica a menor que fosse, até mesmo os narizes torcidos eram por ele investigado e, se identificasse uma censura ao seu lance infortuito (era assim que se justificava, com esta palavra que ninguém sabia o que era!!!) pronto, o coitado estava eliminado da partida e, de quando em quando, alguém ficava um bom período exilado no banco de reservas, esquecido das partidas, por todos e por ele, principalmente, o pequeno ditador.
Era um sujeito execrável, todos o detestavam. Um cara entupido de empáfia que acreditava ser o centro do universo e que tudo e todos orbitavam ao seu redor. Conviver com ele era quase impossível, esta magia somente era conseguida graças ao encantamento da bola. Porque a bola era a musa dos sonhos de todos os guris. Ela era sonhada, desejada, amada por todos. Para eles, a pequena redonda era a linda princesa que tinha o ingrato destino de viver prisioneira no castelo do bruxo. Mas, o que fazer? Era ele o seu dono e, desta forma, o proprietário de seus sonhos, de seus desejos, de seus destinos. Ele dizia a hora para tudo, ele quem escolhia os times, quem ganharia, quem perderia, sobre ele repousava a felicidade de todos os petizes da pequena cidade. Que triste maldição esta, pensavam, viver sob o jugo de um ditador, do dono da única bola da cidade?
Num dia qualquer dois times degladiavam-se fervorosamente na pequena arena romana. As coisas transcorriam como sempre. O time contrário do déspota, já havia tido dois gols perfeitos cancelados, um pênalti claro a seu favor não marcado, e tomado dois tentos de penalidade máxima que foram apontadas por ele em situações impossíveis de serem assinaladas. Foi tão embaraçador que até mesmo o time dele ficou constrangido. Mas este dia, que nasceu para ser igual a todos os outros, iria se tornar diferente, único, singular. Todas as maldições, acreditem, nascem para encontrar seu final. Não existe noite mais negra que não sucumba ao primeiro raio de sol. A alforria destes guris veio de uma forma insólita e não dá para saber se o resultado lhes trouxe por completo a felicidade. O sorriso de agora pode ser a lágrima de amanhã e/ou vice-versa. A felicidade é difícil de ser detectada e mesmo enquanto guris, dominados pela sua sabedoria, ela pode passar despercebida numa dobra do destino.
Num lance casual de jogo, um guri chutou a bola, um chute forte e poderoso que raspou a trave adversária e foi para a rua, indo parar numa grade cheia de ferros e setas retorcidas na casa em frente.
Foi demais para a bola. Ela gritou uma única vez e o som de sua voz ecoou num estouro. Todos eles gritaram ao mesmo tempo: “Não!” Pegaram-na como se dezenas de romeus tomassem nas mãos uma Julieta ainda delirante, num ultimo suspiro de vida. As lágrimas de seus olhos desciam misturadas ao suor e ao pó do rosto formando uma máscara horrenda e sofrida.
No meio deste teatro de horror alguém se levantou, pegou sua bicicleta e partiu. Foi seguido por outro, e outro, mais outro, por todos. O Dono da bola pediu para que ficassem, gritou, exigiu, implorou, mas todos foram embora, definitivamente. Ele ficou lá sozinho, segurando o cadáver murcho da “Julieta” nas mãos e esta, sem vida, havia perdido o encantamento sobre todos os outros. Ele atirou-a ao chão com fúria e xingando a tudo e a todos entrou dentro de sua casa, solitário, como sempre esteve. Alguém, que ficou desapercebido por ali, agachou-se devagar e tomou a bola nas mãos com um carinho exagerado. Olhou para ela, e sua lágrima cristalina molhou o couro impermeabilizado. Colocou ela na garupa da bicicleta e partiu, como se a levasse para praticar ritos fúnebres em sua honra. Ele se perguntava como seria o dia de amanhã, sem a bola e achou-se por um breve instante triste. Depois, lembrou-se do rosto do pequeno déspota, de sua tirania e de sua chatice incontrolável e não conseguiu esconder uma gargalhada que nasceu do fundo de seu peito. Estamos livres, pensou, estamos todos livres! Amanhã seria outro dia e alguma solução seria encontrada, pensou enquanto sumia na distância. Por ora, era comemorar o fim da tirania, o reino de ditadura havia acabado, como, afinal, todos os reinos absolutistas um dia acabam!

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O HAIKU JAPONÊS


Basicamente, o haiku define-se como uma forma poética que, quanto à forma, tem três versos curtos e, quanto ao conteúdo, expressa uma percepção da natureza.


Os três versos (sem rima) apresentam, respectivamente, 5, 7 e 5 sílabas métricas japonesas. A métrica japonesa assenta essencialmente no elemento duração: por exemplo, a palavra Bashô, metricamente tem três sílabas ou unidades de som, porque o /o/ final é longo.


Abaixo a minha primeira composição em HAIKU!




Acordei de manhã,
O sol em minha janela
Avisou: A vida é linda!

segunda-feira, 18 de agosto de 2008


Minhas primeiras lembranças da infância são do vilarejo de Qunu, nas montanhas onduladas e nos vales verdes do Território de Transkei, na região sudeste da África do Sul. Foi em Qunu que passei os anos mais felizes de minha meninice, rodeado por uma família tão cheia de bebês, crianças, tias e tios que não me lembro de estar sozinho em nenhum único momento em que eu estivesse acordado.

Foi lá que meu pai me ensinou, pelo modo como vivia sua vida, o senso de justiça que carreguei comigo por todas as décadas que já vivi. Observando-o de perto, aprendi a defender e lutar por minhas crenças.

Foi em Qunu que minha mãe me deu as histórias que encheram minha imaginação, ensinando-me de bondade e generosidade enquanto preparava as refeições em uma fogueira, mantendo-me alimentado e saudável. Em meus tempos de menino pastor, aprendi a amar o campo, os espaços abertos e as belezas simples da natureza. Foi naquele momento e naquele lugar que aprendi a amar esta terra.

Com meus amigos da meninice, aprendi dignidade e o significado da honra. Ouvindo e assistindo reuniões dos anciões da tribo, aprendi a importância da democracia e de dar a todos uma chance de ser ouvido. E aprendi sobre meu povo, a nação Xhosa. Com meu benfeitor e guia, o Regente, aprendi a história da África e da luta dos africanos para serem livres.

Foram estes primeiros anos que determinaram como seriam vividos os muitos anos plenos de minha longa vida. Sempre que paro um momento e olho para trás, sinto imensa gratidão por meu pai e minha mãe, e por todas as pessoas que me ajudaram a crescer quando eu era apenas um menino, e que me transformaram no homem que sou hoje.

Foi isso que aprendi enquanto criança. Agora que sou um homem velho, são as crianças que me inspiram.

Meus queridos jovens: vejo a luz em seus olhos, a energia de seus corpos e a esperança que está em seu espírito. Sei que são vocês, e não eu, que farão o futuro. São vocês, e não eu, que consertarão nossos erros e levarão adiante tudo o que está certo no mundo.

Se eu pudesse, de boa fé, prometer-lhes a infância que eu tive, eu prometeria. Se eu pudesse prometer-lhes que cada um dos seus dias será um dia de aprendizado e de crescimento, eu prometeria. Se eu pudesse prometer-lhes que nada – nem guerras, nem pobreza, nem injustiças – privará vocês de seus pais, de seu nome, de seu direito, a uma boa infância, e que essa infância levará vocês a uma vida plena e frutífera, eu prometeria.

Mas prometerei apenas o que eu sei que posso cumprir. Vocês tem a minha palavra de que continuarei a aplicar tudo que aprendi no começo de minha vida, e tudo que aprendi a partir de então, para proteger seus direitos. Trabalharei todo os dias de todas as maneiras que conheço para apoiá-los enquanto crescem. Buscarei suas vozes e suas opiniões, e farei com que outras pessoas também as ouçam.




Texto escrito por Nelson Mandela




Quando li este texto pela primeira vez, o achei supremo e soberbo. Condensado em tão poucas frases, em alguns parágrafos, a sabedoria de uma vida – uma vida como a de NELSOM MANDELA. Ao lê-lo, pensei que este texto serviria como uma bela introdução, uma bela mensagem, pois ele demonstra a importância de uma boa educação e de bons valores na formação do caráter e da índole da criança em seus primeiros 06 (seis) anos de vida, e, virtualmente nos anos que seguem.
É isto tudo que sonhamos para a criança brasileira. Encontrar fórmulas, remédios, instrumentos, idéias, histórias, exemplos, que nos ajudem a moldar e construir o caráter e a personalidade do homem do amanhã – homem este que terá a incumbência de construir o futuro, de consertar os erros que esta geração deixou….

terça-feira, 12 de agosto de 2008

SOBRE O TEMPO E A VIDA


O tempo não pára, roda que gira, que transforma tudo o que toca. O que era semente, vinga-se em árvore bela e frondosa. Os rios acabam-se em mares. O pequeno botão, flor transforma-se e é colhida. O cosmo continua sua perseguição rumo ao infinito. Tudo neste mundo, movido por este combustível implacável da vida, o tempo; a vida seguindo seu curso, metamorfoseando-se, buscando novas formas, novos patamares, evoluindo. Não é diferente conosco, todos os acontecimentos conosco são casulos para um novo momento em nossa história individual. Nesta vida, nada encontra seu fim a não ser, a própria vida. Ela se acaba, se extingue, chama que se dilui com o tempo, este amante aborrecido que nos abandona involuntariamente na hora que o Anjo Azrael nos estende o cálice da morte. Ah! A morte, concubina voraz, que estupra nossa vontade de viver com seus lábios negros e hálito frio, dando-nos o beijo fatal. Ah! A morte esta sorrateira sentinela do destino que nos embosca em nosso cotidiano e quando nos visita, naquela hora derradeira, onde tudo o que ouvimos é o tropel dos cavalos das Valquírias, vindo buscar neste campo de batalha a nossa alma para Deus. Neste instante, quando nada mais resta a fazer, o que é de Deus volta para Deus. É o que é do homem, tudo aquilo que ele construiu com sua debalde arrogância: seu corpo belo e esculpido artificialmente; seus odores de conquista; sua inteligência concupiscente; seus vapores de poder e seus títulos de nobreza imersos na vacuidade; tudo isso volta para a terra, abraçado com o homem e o que restou dele, para ser devorado pelos vermes.



Post Scriptun:








Pensemos então em evolução! A verdadeira evolução que permanecerá para todo o sempre – a evolução espiritual. Porque a nossa evolução secular, esta que construímos com peças requintadas e sofisticadas, máquinas possantes e silicones, esta ficará mesmo para os vermes, eles degustarão fartamente todas as nossas misérias e conquistas!

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A COSTELA DE ADÃO


Deus! Não consigo entender mesmo as mulheres!




Será que haverá em todo este vale de lágrimas um único homem que consiga?


Porque, de repente, elas estão bem, e, no mesmo relâmpago que veio montado suas felicidades, aparece um mau humor repentino e avassalador que, além de destruir o otimismo dos momentos delas, leva a reboque, nossa paz e sossego.


Porque as mulheres, aprendi, não foram feitas mesmo para serem entendidas. Deus, quando as concebeu, destruiu a fórmula para que fossem únicas no universo, isto para o bem, isto para o mal.


Houve um dia que tentei realmente entende-las, usei uma metodologia acadêmica, cheia de formas, cerimonialismos e protocolos. As mulheres parecem por demais pragmáticas, está na essência delas o óbvio, a exatidão, o cuidado com todas as coisas. Por isso mesmo, não as entendo, a metodologia acadêmica parecia uma luz a refletir-se no espelho da personalidade feminina, contudo, não se traduziu em perfeição. Quando cotejei a mulher com o método, a fórmula mostrou-se imperfeita. Sua perfeição somente resiste no universo feminino, ao tocar um dedo no mundo masculino, pronto, torna-se vicioso. Elas querem segurança, e se damos-lhe segurança, somos fracos. Se, ao contrário, pontuamos seus dias de desconfianças, somos-lhe canalhas, patifes, e (ao mesmo tempo!) objetos de sua adoração. Oh! Como entender as mulheres....


Tentei buscá-las, então, pela poesia, este filtro sempre me foi mais familiar e mais aprazível. As mulheres, que já são belas, ficaram ainda mais maravilhosas. E esta idolatria levaram-nas para distante da gente. Sê corremos até elas, elas distanciam-se de nós. Sê, ao contrário, ficamos parados, ou mesmo, caminhamos sentido contrário, elas nos perseguem e nos querem. As mulheres são difíceis de entender... Seu não quer dizer muitas vezes seu mais delicioso “sim”. Seu sim, pode ser o maior de todos os “nãos”. Elas dão à luz sofrendo e sorriem de uma forma como nunca mais sorrirão em suas vidas. São elas que escolhem o momento do sim, para nós, para tudo: para o primeiro pegar de mãos, para a primeira dança, o primeiro beijo... a primeira vez. No entanto, ainda que sejam donas desta autoridade (e a exercem com tirania) recusam-se a ouvir o nosso não para as coisas mais banais como ir à casa da mãe delas em dia de jogo na TV. Elas detestam tudo o que é realmente importante: futebol, por exemplo, como se pode detestar futebol??? Sandice....


Fico me perguntando se Deus não cometeu um equívoco ao conceber a mulher de uma costela de Adão, poderia ter usado algo mais nobre, sei lá, um filé de qualquer parte do corpo dele. Comentando isso com um amigo meu, ele me disse: “Rapaz, deixa quieto que Deus sabe mesmo o que faz! Se mulher já é o que é feito da costela, imagina o que não seria se fosse feita de um bife....”


Deus e meu amigo estão com toda razão! Deixem tudo como está...





Foto: Quadro, A criação de Eva, por Michelangelo