quarta-feira, 26 de agosto de 2015

CAMINHOS RETOS NÃO ADMITEM CURVAS




Esta história não é completa, esclarece-se de antemão.
Ela chegou-me ao conhecimento toda fragmentada e desde o início ela me sugeriu uma ótima oportunidade para um texto.
Os fatos da história não foram em nada acrescidos, e o que não se sabe não interfere no contexto. Não se produziu remendos.
Temos todos de saber que o que vale nas histórias não são os juízos, julgamentos ou méritos das personagens, deve-se sim, prestar atenção no conteúdo e no que se pode aprender.
Sabedoria é uma dádiva de Deus, mas sempre se pode aprender uns bocados quando se tem o cuidado de parar e prestar atenção nas coisas ao redor, livrando-se sempre dos preconceitos e pré-conceitos e apenas apreciando com uma atitude de reflexão.
Aprender é crescer e quanto mais se cresce mais se sabe que é preciso aprender.
O certo é que a mulher era uma pessoa de princípios.
Em grande parte isso veio com ela ao nascer, em seu caráter e na postura perante a vida – valores e ética são valiosos tesouros e esta nossa amiga sempre foi rica neste ponto.
Um dia, conheceu um sujeito, formoso, boa presença, fala mansa e atitudes gentis.
Houve um flerte e se apaixonaram.
E o namoro se seguiu como devia ser naqueles tempos. Respeitoso por ambas as partes, o casal se conhecendo se testando, um tentando enxergar no outro o companheiro para toda a vida.
Ele amou tudo nela. Gostou da sua beleza física, muito mais do seu encanto interior. A mulher era cheio de qualidades e isto fez com que se rendesse ao amor quase que imediatamente. Era prendada, excelente cozinheira, cheia de valores morais e espirituais que asseguravam a ela uma reputação ilibada.
Ela o amou. Achou-o um homem formoso, que lhe dava segurança e lhe transmitia paz e o sentimento de ser amada. Carinhoso, de bom humor e tinha uma visão da vida que se acenava similar a dela.
Ocorre que nesta vida, nem tudo é como a gente quer que seja.
Por mais belo que seja o paraíso terrestre, uma vírgula, um “se”, um “senão”, alguma coisa sempre surge e poderá colocar tudo a perder. Para que o castelo não caia, é necessário amor, uma sólida posição do que querem as pessoas envolvidas e, acima de tudo, respeito.
O amor leva as pessoas para os seus relacionamentos, o respeito mútuo é que as mantém unidas e confortáveis dentro deles.
Como continuar se não houver confiança e credibilidade, e estes são os dois pilares do respeito.
O homem no primeiro instante, nas primeiras conversas, não contou para a formosa mulher que ele era rico, que era o dono da fazenda onde todos moravam e trabalhavam.
Não há como saber o porquê dele ter feito isso, ter escondido essa informação e tudo o que relatarmos aqui será elucubração, exercício de criatividade. Não posso fazer isso, estou prisioneiro da promessa que fiz no inicio da narrativa, de contar o que sei e as lacunas existentes jamais serão preenchidas. Não por mim.
Um dia, quando tudo se desenhava para ser o mais belo na vida daquele belíssimo casal, ela ficou sabendo da verdade, que o peão que desejava casar com ela  era o dono da fazenda.
O castelo ruiu para ela.
O belo mundo que desenhou para si foi apagado com algumas frases.
Mentira. Como se pode viver com o embuste? Como perdoar a inverdade? Como o amor pode sobreviver a tamanha prova?
Ela não conseguiu, já dissemos que era uma mulher de princípios sólidos e entre seus valores estava a completa abominação a falsidade, por mais inocente que ela pudesse ser.
Em seu entendimento, a mentira nunca é inocente.
Deu tudo por terminado e o abandonou com palavras gentis e decididas.
Ele entendeu que o fim, era o fim mesmo.
Ficou lá, em pé, olhando a mulher que se afastava indo para longe do seu destino.
Sentiu-se impotente, desconsolado, triste.
Ela, mesmo com o coração esfacelado, pois que aprenderá a amá-lo, foi-se fazendo não o que queria fazer e sim o que precisava ser feito. Estes são os nobres de espírito, fazem o que é necessário nunca sucumbem aos seus desejos pessoais.
Tudo nela pedia para ficar, para perdoar, mas, intimamente ela sabia que nada que começa sob o totem da falsidade não terá forças para continuar – a mentira é corrosiva demais, é um acido que destrói a confiança e, sem confiança, o amor sucumbe.
Ele voltou para sua casa e tentou encontrar outros amores.
Em todos os rostos femininos, perseguiu o dela, mas todas as outras já chegavam condenadas pelos efeitos da comparação. Era uma guerra para elas que já começava perdida.  
Somos todos únicos e inigualáveis, para bem, para mal.
Nas tardes, em sua bela varanda na casa grande, sentado numa cadeira de balanço, o homem  ficava olhando o horizonte, fixamente, como se aguardando que ela surgisse em sua direção.
Ficava se perguntando: “Porquê... Porquê...” Era o que sempre se questionava e nunca se dava uma resposta convincente. Não compreendia a reação dela, tão peremptória, tão... tão... fatalista. 
Ele nunca soube e nunca saberia, mas para ela, meias verdades sempre foram mentiras inteiras.
Ela nunca conviveria com a mentira. Nunca.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

O SOL QUE NASCE AO MEIO DIA


Começou a trabalhar aos catorze anos.
O pai o colocou para ajudar em um comércio da cidade, não por necessidade financeira imediata, muito mais para arrancá-lo das ruas.
Para ele, o adolescente, as ruas eram um encantamento, possuíam uma voz enfeitiçada que o convidava para dançar; águas malditas essas, o guri atirava-se de cabeça sem titubeios ou filtros quaisquer e as ruas são belas sereias que arrastam os ingênuos e incautos para os fundos de suas entranhas, e, quando lá, todos sucumbem em suas imundícies.
Tudo foi pensado e concebido para que o trabalho fosse uma benção, sobretudo pelo aspecto educacional. Um ofício é sempre uma ferramenta maravilhosa para ensinar e inculcar nobres valores na personalidade adolescente.
No caso deles, foi um enorme tiro no pé.
À revelia do pai, que queria o pagamento depositado na poupança, o guri se apossou do salário e se achou orgulho e vaidoso, já era o dono do próprio nariz, não respeitava nem obedecia ao pai e mais ninguém. A igreja foi deixada de lado, descartada como se fosse o maior dos incômodos em sua vida. Alterou o horário de expediente da tarde para a noite e passou a chegar muito fora de hora em casa. Saia do trabalho e ia para as ruas, sua senhora, a ela amava e rendia graças, demoníaca idolatria.
N’outro dia, despertava ao meio-dia, com aquela ressaca da “esbórnia” noturna, sem apresentar explicações ou justificativas e, para todo aquele que se atrevesse a interrogá-lo ou dar conselhos, apresentava uma bandeja de blasfêmias e ameaças que assustava. Valete o pequeno homem de calças curtas.
Só que as necessidades sempre vinham, e, quando elas se lhes apresentava, corria para o pai com frases de efeito e perfeitamente educadas, elaboradas com cuidados e dedicação exageradas, sempre capazes de amolecer o coração do “velho” e, assim, sanava a sua crise imediata. Satisfeito, cavalgava novamente nesse alazão de rebeldia e se distanciava da dignidade e da decência, mergulhando nos valores mundanos das ruas.
Existe uma espécie de pessoa que possui o toque de Midas às avessas – toda a benção que toca maldição imediatamente vira. São pessoas arrogantes e egoístas, algumas delas com pitadas generosas de falsidade em sua constituição e, para elas, a vida e todas as outras pessoas existem para orbitar em torno de seus desejos mais descabidos.
A verdade é que ele conseguir ludibriar o pai durante algum tempo com suas artimanhas, um dia, entretanto, o genitor acordou e, com o coração partido, afastou-se do filho ingrato.
O pai sabia que para algumas pessoas, e seu pequeno estava entre estas, profeta nenhum é honrado em sua própria terra e, enfim, triste, abandonou-o à própria sorte sabendo que alguns somente aprendem “quebrando a cara”.
Quando a rua e seu estilo mundano e pecador tivessem lhe arrebentado o orgulho e as vaidades sacrílegas, o pai, a igreja, estes que tanto repudiará estariam lá, esperando-o para perdoá-lo e lhe mostrar o reto caminho.
Um dia, e esse dia sempre chega, os rebeldes e desviados de Cristo descobrem que as ruas somente possuem ídolos pagãos que se quebram ao tocar – frustrados, decepcionados, eles voltam seus olhos para o céu e vêem novamente o Deus vivo e generoso, misericordioso que não reside nas ruas e sim, mora no coração do homem que lhe abre as portas.
Os filhos, em especial, nesse momento, rendem glórias a Deus e apresenta respeito também ao pai terreno, que sempre estão lá à espera deles – amor de pai pode até arrefecer, mas é chama que jamais se apaga.


terça-feira, 18 de agosto de 2015

O DEUS QUE ME AMA





Não consigo mais falar de amor.
O amor que eu conheci ficou pequeno demais, depois que conheci o amor de meu Deus.
Eu pensei que amava quando ofereci em holocausto para meu Deus todos os meus miseráveis prazeres terrenos. Deus sacrificou Seu filho por mim.
Eu devolvi os dízimos e apresentei ofertas no altar acreditando que isso era um ato de amor. Deus me deu o sol, a noite, a água, o ar, e tudo o mais e nada pediu em troca. Nada.
Passei muito tempo servindo-me de banquetes, e Deus me mostrou que o que realmente sacia o espírito é o jejum.
Eu gritei por Deus do alto dos edifícios, e Ele me respondeu quando ajoelhei em oração.
Eu busquei a sofisticação e a ostentação para me aproximar de Deus, e Ele me ensinou que prefere a simplicidade e a humildade.
Orei por quinze minutos questionando coisas diversas para meu Senhor, e Ele respondeu-me com sessenta e seis livros.
Ofereci-me como vaso, Ele encheu-me com o mais fino azeite.
Perguntei-lhe:
Senhor, se eu tiver fome? Ele me disse: Sou o pão!
Para onde vou? Sou o caminho!
Pai querido, se a morte me apavorar? Ele sossegou-me: Não temas, Eu sou a vida!
Eu fui e sou ingrato. Ele foi e é fiel.
Corri e corri para longe Dele, quando parava e sentia a Sua falta em mim, descobria. Ele estava ali, sempre ali, ao meu lado.
Por mais longe que eu fosse, mais perto Ele estaria de mim.
Tive medo das noites escuras em minha vida, e Deus me deu em seguida os mais belos amanheceres que presenciei.
Quando me fechei em mim mesmo; Ele abriu os braços na cruz, lá os pregou para que sempre estivessem abertos para abraçar aqueles que o ama verdadeiramente.
Não posso conhecer o amor perfeito,
Porque eu não sou perfeito.
Meus desejos egoístas e minhas vaidades pagãs,
Tudo isso me afasta de meu Deus,
Tudo isso me afasta do verdadeiro amor.
Somente quando acolho Deus em mim,
Quando Ele habita o meu coração,
É que o amor se aproxima de mim,
E mais próximo fico do amor perfeito.
Sim! Eu te amo meu Deus e agora posso começar a falar de amor!

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

QUASE NO FIM DA RUA...



... Viviam duas mulheres de meia idade para cima, cuja existência era ficarem à calçada, ambas sentadas em deliciosas cadeiras de fio vendo o dia passar, todos os dias.
Refestelavam-se logo pela manhã, sentinelas dos acontecimentos de toda a rua, atentas para todos os fatos, capturando os mínimos episódios e os registrando em espaço curto de memória de pouca duração alojada bem pertinho da língua. De tão próximo ficava, invariavelmente, toda essa memória escorregava para o precipício da língua e caia no mundo produzindo variada gama de prejuízos.
Possuíam ambas as mulheres requintado e sortidos artefatos para captura de informação que, absolutamente nada, com ênfase aguda nesse nada, escapava dessas sofisticadas máquinas de produzir mexericos.
Algumas coisas até eram verdade, mas quando absorvidas e depuradas por elas, ao serem regurgitadas vinham com alguns acréscimos elaborados por essas mentes criativas. Até mesmo o que era apenas aparência, muito distante de um fato concreto, elas pegavam essas mentiras nuas e as vestiam desmazeladamente com um fraque puído de verdade.
Num dia qualquer, sol no zênite, ambas recostadas sob a sombra de uma frondosa mangueira, uma delas, a de maior idade, teve um mal súbito, olhou para a amiga, mão no peito, olhos escancarados numa surpresa ignorante, caiu da cadeira para a calçada, nesse breve tempo a vida escapando de seu corpo, a morte lhe chegou arrombando todas as portas: infarto fulminante.
A outra nada entendeu. Olhou para toda a cena sem compreender ou oferecendo ação do que fazer. Elas sempre tiveram uma solução pronta para todas as coisas, quando todas as coisas eram nas vidas dos outros. Agora, quando o acontecimento lhe acenava sua mão pesada, não conseguia resposta. Na vida elas sempre foram espectadoras, ficavam na platéia vendo o espetáculo de outrem, jamais foram protagonistas.
Alguém que passava ligou 193, tudo foi mero protocolo. Ela já havia partido na viagem que ninguém quer fazer, mas que todos farão um dia.
No velório a amiga mais nova ficou do lado do esquife todo o tempo. Não derramou uma lágrima, sequer exalou um suspiro mais triste. Parecia alheia e absorta e se houve lamentos por sua parte não foram percebidos.
Somente levantou-se de sua cadeira para seguir o féretro que começou ali em sua sala e terminou com o caixão depositado dentro de uma gulosa boca de cova.
Chegou à casa montada no mesmo silêncio, dormiu o resto da tarde e toda a noite que se seguiu.
N’outro dia, bem de manhã, saiu para a calçada como sempre fazia, montou acampamento: duas cadeiras de fio, garrafa térmica com um café forte.
Tomou o primeiro enorme gole com grande satisfação, encheu a xícara novamente e a estendeu para o lado, absorta, dando de cara com a cadeira de fio vazia. Vazia... Nada...
Olhou demoradamente para o vácuo à sua frente, e, de repente, entendeu tudo. Entendeu tudo...
Levantou-se, recolheu tudo para dentro, foi para dentro de sua casa, sentou-se na sala bem onde o esquife fora depositado algumas horas antes e então chorou... chorou... chorou... pensava consigo mesmo e ninguém mais, pois que não havia: E agora? O que seria da vida?
Escutou um portão bater lá fora, na vizinhança, e correu para ver o que era. Para algumas pessoas, antigos vícios são impossíveis de largar.