Algumas frases surgem nas bocas das pessoas sem maiores arranjos ou pré-projetos, elas nascem naturais e causam abalos sísmicos na percepção e na vida das outras pessoas. São verdadeiros terremotos que sacodem as estruturas de quem as ouvem, elas estavam preparados para outras palavras... Queriam outras palavras...
Mas, as palavras têm vida própria, elas seguem seu curso e nada as detém depois que são pronunciadas. Causem estragos ou caricias, não se importam, elas passam por nossas vidas e deixam sempre suas marcas, para bem, para mal.
Naquele instante ele preparou tudo para ouvir qualquer outra coisa que, senão, “A gente se vira...”, foi esta a expressão inocente que a boca também inocente proferiu. E, no meio de tanta inocência, cravou-se com dardo fatal e poderoso sua auto-estima, seus estímulos, seu futuro numa parede de desilusão.
“A gente se vira...” poderia designar simplesmente um rodopio, um passo de dança, uma brincadeira infantil, mas não era, “A gente se vira...” naquele momento, naquele contexto, ia muito mais além, era cruel, era mortífero, sobretudo, porque não havia maldade, ou vontade de ser ruim, simplesmente, havia naturalidade e inocência. Estas qualidades podem ser mais terríveis que a própria inveja e o ciúme, quando ambas vêm na hora errada.
“A gente se vira...” ele escutou como “Tudo bem, a gente passa sem você...” ou “Não farás muita falta... Vamos em frente...” muito diferente do que gostaria de ouvir.
Talvez tudo tenha sido dito sem pensar muito, as pessoas deveriam industrializar as palavras, passá-las por vários filtros, mas não, a maioria prefere o modo artesanal de articulá-las e as emitem sem maiores questionamentos. Talvez... Talvez... o talvez ficou soando como se quisesse desculpar as palavras tão doloridas, advogando em causa delas, mas o “talvez” não possui força para apagar os “A gente se vira...” O “talvez”, simplesmente, joga o suplicio um pouco mais à frente enxugando as lágrimas de agora com um lenço falso de possibilidade de tudo ser diferente. Talvez não funciona de verdade, ele somente entorpece e, portanto, não ajuda.
Arrancou o “talvez” de seu coração, e abraçou o corpo que disse “A gente se vira...” e sentiu um abraço caloroso e um olhar brilhante se cravando sobre ele. Ela o amava, pensou, tentando encobrir “a gente se vira...” com o que sentia nesse carinho.
O que será mais forte, pensou, enfim...
As palavras? Um abraço?
Confiou no abraço... Em parte por comodidade, em parte por que seria mais coerente com ele próprio e sua sentimentalidade. As palavras se enganam às vezes, os sentimentos não se enganam jamais!