segunda-feira, 21 de abril de 2008

ROTINA


Acordou, levantou, lavou, comeu, abriu a porta, fechou a porta, saiu para a rua, ganhou o alpendre, desceu um degrau, dois degraus, três degraus, alcançou a calçada, o meio-fio, pisou no asfalto, respirou o ar com monóxido de carbono, levantou o braço, parou um “lotação”, mergulhou dentro e partiu.
Sentou-se num banco qualquer, olhou para a paisagem urbana, triste paisagem urbana, alguém pára o ônibus, alguém pára de novo, e de novo, e novamente, fica irritado com as paradas, o motorista segue dirigindo aos solavancos, para lá e para cá, num balé bizarro constante; chega ao seu destino, sua vez de parar o ônibus, sua vez de irritar alguém; desce um degrau, dois degraus, três degraus, pisa o negro asfalto, dribla um bolo de pessoas que querem invadir o ônibus, ganha a calçada, segue para seu trabalho.
Bate o cartão ponto, coloca a âncora do tempo pendurada num compartimento qualquer, coloca seu jaleco, senta-se à mesa, liga o computador, retira uns papeis dos arquivos, fala com um cliente, fecha um negócio de algumas centenas de milhares de reais, ganha um elogio do patrão, um amigo sente inveja, guarda o elogio do patrão e a inveja do amigo na sacola de inutilidades, toma um café frio e forte, detesta cafés frios e fortes, come uma bolacha de água e sal, toma um copo de água gelada, os dentes sensíveis doem, volta para sua mesa, abraça o quadrilátero da responsabilidade, faz uma ligação, recebe um não para algum negócio, desanima um pouco, o próximo negócio acerta, ganha mais alguns pontos, mais lucro para sua empresa; dezoito horas, missão cumprida, levanta-se, bate o cartão ponto novamente, retira a âncora do tempo que estava pendurada num compartimento qualquer, desce um degrau, dois degraus, três degraus, ganha a rua novamente.
Pega o telefone móvel, liga, ela atende sorridente, pergunta onde está, ela responde; pára um táxi, um sorriso ansioso brilha em seus lábios, fala um endereço, o carro desbrava o trânsito, pára em frente a um edifício, você paga a corrida, dá gorjeta, bate a porta do carro, sobe a calçada, sobe um degrau, dois degraus, três degraus, pega o elevador, está dentro do templo.
Sétimo andar, número perfeito para uma deusa, pensa; a porta do elevador se abre, salta para fora impetuoso, toca a campainha, ouve passos, chave virando, porta se abrindo, ela surge, um roupão a rodeia, ela sorri amorosamente, o roupão cai...

... Você esquece da vida, de tudo, o mundo e o destino são extremamente chatos longe de sua diva – faz amor com ela!!!

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Acabei neste instante a leitura de A SOMBRA DO VENTO, de Carlos Ruiz Zafon, escritor espanhol que concebeu este sucesso editorial da Espanha e da Alemanha e já com bastante repercussão nos USA. O livro é um misto de narrativas, não se perde na construção psicológica dos personagens e se atenta ao que ele tem de melhor - a estória. É uma bela estória que não é contada em linha reta, apresenta curvas, tuneis e nos convida a enveredar por essa trama perspicaz.

Algumas coisas nos deixam com sabor de saudades: O Cemitério de livros esquecidos que, na verdade, me soa como a alegoria da própria literatura de romances, sufocada pela televisão e pelo cinema. Parece-me que as pessoas perderam o enorme prazer que um livro dá, o convite a imaginação, o sabor da aventura sendo capturado silaba à silaba, em minha concepção, algo modesta, um livro sempre será uma diversão de vanguarda, ainda que se construam tecnologias e máquinas de entretenimento fácil e oco aos montes.

Entre todos os personagens, o que mais me encantou foi o fiel escudeiro de Daniel Sempere, Fermin Romero de Torres, um homem de sabedoria acessível, tiradas infames e saborosas, visão de vida bastante racional e, ao mesmo tempo, apresenta um certo lirismo que constroi a sua ambigüidade - Já devem ter percebido que me encanta este caráter dúbio das coisas, algo que pode parecer belo e, na verdade, em sua essência é horrendo. As pessoas, a grande verdade, são assim, tem sua parcela de bondade e de maldade, tem seu lado feio e a sua beleza, podemos ser em algum momento mesquinhos e num outro ser capazes de atos de grande magnitude e honrades. O ser humano é o que é, falho, carente, sempre necessitando de algo que nunca encontra e que nunca o satisfaz.

O Romance mostra a transformação de Daniel Sempere de menino em homem, suas descobertas em busca da história de vida de Julian Carax, o escritor de "A sombra do vento", e as suas próprias descobertas enquanto ser humano, que irão formatar a sua personalidade. Julian Carax é um bom escritor e extremamente cult, ficando sua obra relegada a uma determinada fração de pessoas que a amam soberbamente, mas que, infelizmente (ou felizmente!) não alcança o grande público, sempre ávido por coisas e por literaturas de mais rápida e fácil digestão.



Trecho do livro:


O homem mais sábio que conhecí, Fermín Romero de Torres, me havia explicado certa ocasião que não existia na vida experiência comparável à primeira vez em que se despe uma mulher. Sábio como era, ele não havia mentido, mas também não havia me contado toda a verdade. Não dissera nada sobre aquele estranho tremor das mãos que transformava cada botão, cada silêncio, em uma tarefa de titãs. Nada dissera sobre aquele feitiço de pele pálida e trêmula, sobre aquele primeiro roçar de lábios, nem sobre aquela alucinação que parecia arder em cada poro da pele. Nada me contou sobre tudo aquilo, porque sabia que o milagre só acontecia uma vez e que, ao fazê-lo, falava uma linguagem de segredos que, assim que eram descobertos, desapareciam para sempre. Mil vezes quis recuperar aquela primeira tarde com Bea no casarão da Avenida del Tibidabo, quando o barulho da chuva levou o mundo para longe. Mil vezes quis voltar e perder-me numa lembrança da qual só posso resgatar uma imagem roubada ao calor das chamas. Bea, nua e reluzente de chuva, deitada junto ao fogo, com um olhos que desde então me persegue. Inclinei-me sobre ela e acariciei a pele de sua barriga com as pontas dos dedos. Bea baixou os cílios, os olhos e me sorriu, segura e forte.

- Faça o que quiser comigo - sussurrou ela.

Tinha 17 anos e a vida nos lábios.
(Zafón, 2007, Editora Suma de Letras, p.201)




O final do livro surpreende bastante, são tantas variações que, simplesmente, você não consegue jamais saber em que porto atracará. O livro é temperado com ação, humor, terror gótico e suspense, enfim, os ingredientes de toda boa leitura para uma ótima sessão da tarde.


Aprendi, desde sempre, pois leio desde cedo de minha vida, que um livro será sempre bom quando ele nos deixa com saudades de sua leitura, com gosto de quero mais. A sombra do vento cumpre todos estes requisitos e por isto, recomendo a leitura para aqueles que desejam uma boa diversão com um livro nas mãos.

terça-feira, 8 de abril de 2008

À Mariana, a Infante!




É noite, e geralmente é noite quando escrevo, meu amor!
Não sei, não sei porque amo tanto a noite,
E todos os mistérios que dançam em seu palco.

Talvez a ame, por ser eu um simples coadjuvante em seu cenário...
Ou por ser apenas mais um entre os seus milhões de protagonistas.

Como saber? A noite é feita de questionamentos,
Assim como a vida o é.
Não quero me perder em questionamentos sobre a noite.
Assim como não quero me perder em questionamentos sobre a vida.
O que importa, o que é fundamental nesta história,
É viver, a vida e a noite... as respostas
Nascerão por si mesmas, por si mesmas.

E, minha querida infante, a vida começa para ti.
Muitas noites nascerão para ti e todas elas
Sucumbirão ante o poder de Aurora, a Deusa de áureos dedos.

Mas a noite retornará sempre, negra, forte,
Sedosa, misteriosa, lírica, livre, eterna.

Porque a noite tem a sua força e seu encanto,
Tal qual o dia.

Porque a vida é mesmo assim, uma página em branco,
Onde o destino nela escreve,
Ás vezes com crueldade,
Ás vezes com condescendência,
Em raros instantes, com bondade.

Em sua vida, haverá bons momentos,
Haverá péssimos momentos,
Todos eles convergendo para sua construção interior.

Será no conteúdo, que valorizarás o frontispício.
Será depois das lágrimas teus sorrisos mais satisfatórios.
Não colheras rosas sem que se firas nos espinhos.
O sofrimento faz parte da vida,
Aprenderá isso na carne e no coração.

Deves estar preparada para a vida,
E para todas as vicissitudes que ela nos apresenta.

Deves estar pronta para aprender com ela,
Olhá-la dentro dos olhos,
Tendo a sabedoria necessária para usar
Como alavanca, as barreiras;
Como energia, as lágrimas;
Como amortecedor para a euforia tentadora, a humildade.

Será na temperança e na humildade que encontrarás
A sabedoria, e, onde estiver a sabedoria,
Ali encontrarás a felicidade.

Agora vá, minha doce infante!
Partas para as noites e para a vida.
Leve consigo minha benção,
Como um espectro luminoso a te guiar
pelos sombrios caminhos desta vida,
Desviando-te do mosaico de tentações
Que insidiosamente buscarão tirar-te de sua estrada.

Sejas feliz na mais bela das noites,
Aquela noite que está porvir....



Do seu tio Gilberto Avelino Mendes, escrita em Fátima do Sul, Mato Grosso do Sul, Brasil, na data de 06 de março de 2004.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Chegaram!!!
Comecei a leitura pelo A sombra do Vento, um livro espanhol de Carlos Ruiz Záfon, pelas primeiras 60 páginas, será maravilhoso esse tempo passado com esta obra.
Comentei com um amigo qualquer a impaciência e a ansiedade que estava pela leitura destes livros, ele deu um daqueles sorrisos amarelos incutido nele algo parecido como "Seu tolo! Coisa mais besta para se perder tempo...".
Talvez seja mesmo um tolo, talvez deveria estar nas ruas arrumando um jeito de ficar rico, de ganhar dinheiro; talvez devesse estar num bar bebendo e comemorando o vazio de espírito com algazarra etílica; talvez devesse estar num monte de lugares distintos ao do meu quarto ostentando um livro na minha frente.
Esqueçam-me então, todos que pensam como meu amigo!
Eu ainda prefiro ficar nos bastidores da vida, desde que nos bastidores tenha livros à fartura para mim... eles ainda são, como sempre foram, meus melhores amigos!
Ainda que isto não atente contra os verdadeiros amigos que tenho, tenho alguns que resistiram à corrupção da vida e se mantiveram firmes ao meu lado... À vocês e aos livros, meu sentimento mais verdadeiro!