Para a mulher, quando a última procissão partiu
já não lhe restava mais nada a fazer – o combate tinha sido realizado, percebeu-se,
a olhos vistos, ganhos e perdas, mas o resultado final, esse não seria revelado
ali, naquele instante em que todas as horas se encontravam e se encerravam para
ela.
A vida continuava na pequena cidade.
Para a família que se despedia da mulher, era um
grande e triste evento, não para a urbe, que não dedicou reverência necessária
para o acontecimento.
Houve uma época que, à passagem do defunto, os
comerciantes corriam para baixar as portas de suas casas de comércio, os homens
arriavam os chapéus sobre o peito e veneravam a matéria morta em orações
silenciosas. Na igreja, os sinos lamentavam se mesclando aos “ais” das mulheres
que escondiam suas faces por uma tela de renda que lhes caiam gentilmente sobre
as faces compungidas, de alguma forma, tudo cessava por alguns momentos à
passagem do morto.
Mas não agora neste tempo de internet e
facebooks.
Olhava-se para a procissão que passava
serpenteando nas lagrimas de dor de toda uma gente, com o mesmo olhar ranzinza
que se joga para o cotidiano estéril, sem paixão, sem poesia, sem amor,
desprovido da carne das boas virtudes e valores; um olhar feito de interesses adiposos
e ambições raquíticas de sabedoria.
Nem no trânsito a procissão encontrava respeito.
Os carros possantes e rápidos demais construídos para pessoas mais apressadas
ainda, costuravam a fila chorosa com uma urgência desatinada, como se, para eles,
os dias se acabariam ali, naquele momento.
Eles seguiriam... A vida somente não mais
existia para a mulher que seguia sendo levada pelos seus, chorada somente pelos
seus, conduzida a passos firmes para a sua última morada.
... e, quando já se chegava no cemitério, dois
senhores já carregados de anos e montados em suas bicicletas foram
surpreendidos pela procissão. Apearam e um ficou de pé, olhos fixos no chão,
chapéu na cabeça esquecido, respeitando a morte. O outro meio em pé meio sentado
na bicicleta, tirou seu chapéu e o colocou no peito, olhando para o céu como se
em oração estivesse. Um apontava para a morte, o outro para a vida, pois que sem
um jamais haverá o outro.
... e, quando o último carro passou, subiram em
suas bicicletas e voltaram para o seu caminho, só que desta vez, mais atentos
para a vida e suas coisas – tudo é mesmo tão frágil, pensavam.
... e, no cemitério, a boca feroz de um túmulo
engoliu a quase centenária mulher e toda a sua história – esta para o pó
retornava.