domingo, 19 de março de 2023

IN MEMORIAN

 


Acordei ouvindo um som estranho...

Olhei o relógio...

Mais tarde que o habitual.

Aticei com o aguilhão da preocupação

Os ouvidos em direção aos sons da casa.

Somente o som estranho... longe...

Não ouvi o liquidificador batendo papas,

Não ouvi os chinelos preocupados esfregando

Em um eterno ir e vir no frio chão da casa...

Não ouvi comprimidos e mais comprimidos

E mais comprimidos sendo descascados...

Portas de guarda-roupa se mantiveram fechadas...

Cadeiras de rodas descansavam...

Descansavam...

Descansavam...

Recomendações de cuidados diversos foram enfiadas

Numa enorme gaveta de silêncio...

Silêncio...

O chuveiro aguardava ansiosamente a

Cadeira de rodas que aguardava alguém

Para empurrar esse alguém até o chuveiro,

Ambos esperavam,

Esperavam por um flerte que não mais aconteceria.

Duas gotas d’água escapavam do bocal do chuveiro

Tristes com a ciência dessa notícia...

Frente a casa nenhuma motocicleta

Acionava sua buzina nervosa

Nos convocando para buscar mais remédios...

Remédios...

Remédios...

Remédios...

Para que serve isso?

A casa toda mergulhada num enorme silêncio,

Físico, sólido, pesado.

À volta um buraco gigantesco

Que somente o tempo e graça

Poderia encher...

Continuei ouvindo o som estranho...

Levantei...

Coloquei a roupa rapidamente...

Corri até o som...

Vi você meu amor de costas para mim

Na cozinha de nossa casa...

Chamei...

Descobri o som estranho...

Era você que chorava...

Te abracei...

Choramos juntos....