Ao J.
Um devaneio bizarro!
Foi a isso que chamou seu pensamento de amor, um amor que aconteceu lá atrás quando os dias ainda se vestiam de romance para ele.
A grande verdade é que ele a quis por um momento, a desejou tão intensamente como se pode querer um grande amor. Ela lhe fez amor diferente, devasso, sem regras, sem manual, sem etiquetas, cada novo momento servindo de novidade para outro instante. Ele despejou-se em sua cama como a água que escorre garganta abaixo aplacando a sede – ela saciou-lhe a sede, sendo o copo e a própria água.
Por um momento, um fugaz momento, ele disse não...
Não aos seus valores, aos seus princípios, para a razão que o acusava em todo o instante. Sua consciência ele trancafiou numa sala escura de seus desejos mais ocultos, sufocou seus gritos, virou-lhe as costas oferecendo a indiferença em generosas porções.
Mas o correto é vara verde, enverga e não quebra.
Num instante em que a selvageria desse amor lhe deu paz, a consciência conseguiu fugir e se fez ouvir.
Uma balança instalou-se em sua decisão – de um lado, o corpo e o coração, do outro, a consciência e a razão; de um lado o sexo e o amor enlouquecido, do outro, as perspectivas todas que, em coral, cantavam as tragédias de uma paixão aleijada de futuro dos pés a cabeça.
Largou-a!
Não sem sofrimento largou-a!
Ele seguiu sua vida sem grandes assaltos e arroubos, sempre tendo a normalidade como leal companheira.
Ela seguiu sua vida, meteu-se em várias confusões amorosas e envolveu-se com um sujeito canalha que transformou sua vida toda num inferno – a própria vida dele, explica-se, também se mudou para o tártaro.
Um devaneio bizarro, pensou, afastando de lado esse pensamento de amor. Suspirou aliviado, acalmou o coração e deu um beijo em sua consciência sempre atalaia. Por vezes, mais importante que um coração que saiba amar intensamente e sem juízo é ter um que saiba dialogar com a razão.
Ilustração: Paulomadeira.net, colhida no ótimo sítio de fotografias www.olhares.com