terça-feira, 31 de maio de 2011

ODE AOS BAJULADORES E INCOMPETENTES


...E todos eles comemoraram o silêncio,
A fuga da coragem e da iniciativa,
Doaram com exuberância seus mais belos sorrisos
Para todos aqueles que bateram ponto no ostracismo,
Banharam com o mais caro champanhe
Os corpos mais preguiçosos,
Serviram um banquete suntuoso
Para os pobres de pensamento,
Para os que não pensam,
Para todos aqueles que domesticam suas idéias
Colocando-as sob o laço dos governantes.
E viva a rotina!
Gritaram com a força de seus pulmões,
Essa triste rotina que encobre,
Que disfarça, que dissimula,
Que mimetiza a incompetência
Dando a ela ares de nobreza e sofisticação.
Eles ficaram de suas belas e ricas janelas
Olhando a todos os que passavam
Rasgando loas para os bajuladores,
Cantando-lhes odes onde eram os heróis;
E as mais terríveis quimeras
Todos aqueles que pensavam diferente.
Aonde estão os gritos de rebeldia?
Para onde foram a coragem e a iniciativa?
Onde se escondeu a criatividade?
Quem assassinou o comprometimento?


Quando os que seguem
Deixam-se acorrentar pelo pensamento,
Sua vontade perece no meio de uma rotina
Erguida para perpetuar a mesmice,
Esta mesmice tacanha
Que ajoelha-se em reverência para a incapacidade.


Neste instante,
Não existe mais saída.
Os bons são vencidos por eles mesmos,
Sua inércia é a maior arma dos corruptos
De almas e riquezas.
A gargalhada de vitória deles
Sobrevive somente no silêncio
Das bocas e da omissão dos bons.


... E, todos eles comemoraram o silêncio...

terça-feira, 24 de maio de 2011

O SONHO DE ÍCARO

Para mim aqui agora tudo é estranho.
Tudo tem o cheiro azedo das coisas podres.
O mato cresce no quintal.
O jardim está estéril.
A última rosa nasceu há cinco primaveras atrás
E sua morte sentenciou também a roseira.
Aqui todos os sabores estão enlatados.
Quando quente, é quente demais.
E quando o frio chega congela todos os meus sonhos.
O sol não entra mais pelas janelas,
Impedido pela decoração de gosto duvidoso.
O quarto é uma câmara mortuária,
No seu centro uma urna funerária
Que sepulta os ossos de uma felicidade
Que jamais foi santa, e,
Enterra também todos os meus sorrisos.
A casa é um labirinto,
Por onde ando trombo com muros de dor,
Por onde o sofrimento, minotauro maldito,
Armado com sua lança de ignorância e estupidez
fere minha paz e sossego todos os dias, todos os dias...
E, nas noites, saí do seu covil o abutre solidão
Para devorar minha carne.
E, nas noites, antes que Morpheu me alcance,
Ergo os olhos para o céu e peço para Dédalo
Para que me de asas para voar,
Para que possa me erguer por sobre
As paredes deste triste labirinto.


... e quando adormeço,
Fecho os olhos sorrindo
(sem perceber)
Pois sonho com asas e vôos...
Sou livre... livre... livre...
E não sinto a primeira
Mordida voraz e feroz
Do maldito abutre em minha carne....

domingo, 15 de maio de 2011

Poema para quem ama à distância


Eu te vi na padaria,
Comprando pães quentes.
Vestias um vestido florido de uma bela fazenda
E ele bailava comemorando o ar condicionado.
Fiquei a um canto afastado olhando você e seus afazeres.
Não me vistes quando entrei,
Tua vida te chamava e teus pensamentos estavam reféns
De todo o universo que te cerca.
Eu olhei para você.
Olhei para teu corpo.
Percebi que sentistes um arrepio qualquer,
Porque olhastes para os lados
E para trás,
Procurando qualquer coisa.


E eu estava lá, no canto... no canto...
De todas as coisas...
Da padaria...
Da tua vida...
Te buscando do palco central de meu desejo.
E tu não me vistes...


Aproximei-me...
Assoprei seus cabelos com a cortesia de uma brisa.
Acariciei tuas narinas com a delicadeza de um perfume...
... meu perfume.
Meu olhar beijou tuas costas algo nuas e tuas coxas grossas.
Quando falastes e seus lábios róseos tremularam
Os beijei com minha vontade mais desejada.
Ficastes em silêncio,
Olhavas para um ponto qualquer
E, ao mesmo tempo,
Para lugar nenhum.
Fechastes os olhos com discrição,
Voltastes para mim
E para meu canto na distância.
Sabias de todo o chão que nos separava
E sabias que eu estava ali... Contigo!
Sorristes e a delicadeza deste gesto iluminou-me.
Tu me vistes...
Tu me vistes...
E pelo teu olhar e teu sorriso
Soube que me amavas e que me sentias.
Quando uma nova brisa soprou seus cabelos
E abraçou todo o seu corpo quente e sensual,
Soubestes de todas as formas
O que somente uma mulher pode alcançar:


O amor de seu homem, em silêncio...

domingo, 8 de maio de 2011

ABRAÇOS ESQUECIDOS


As crianças eram três e chegaram com a avó.
Traziam um sorriso fácil nas faces petizes, uma energia apressada nas perninhas, um brilho de esperança no olhar e tudo nelas cheirava a posteridade. Esta é a grande diferença entre os adultos e as crianças, enquanto nestas vislumbra-se o futuro, sob a superfície dos crescidos se vê o pó cansado do passado.
O pai deles estava lá, frente ao portão, limpo e barbeado, vestindo o que parecia ser sua melhor roupa, o instante fardava-se de gala enquanto que sua vestimenta era do mais puro tecido do cotidiano.
Quando o portão se abriu e crianças e avó saltaram para dentro largaram-se todos eles em um repente de euforia que se ergueu sobre as poderosas forças dos beijos e abraços.
... E tudo durou muito pouco tempo, porque daí a pouco as crianças corriam pelo lugar, brincavam com um e com outro, entretidas com peripécias infantis. E eles, mãe e filho conversavam despretensiosamente encostados a um muro.
... E, de repente, tão rápido quanto pode ser um instante de felicidade na cadeia, chegou o momento de ir embora.
Ele, o pai, o preso, beijou a mãe com ternura e, nas crianças deu-lhes um abraço que concentrou neste ato todos os abraços esquecidos e perdidos entre eles até então... E, junto desses, cravou uma promessa de novos dias, de novos abraços, um comprometimento que a mãe fez força de acreditar, que as crianças receberam com vivas e aleluias.
As crianças foram embora levando com elas os mesmos sorrisos fáceis, a mesma energia apressada nas pernas, o mesmo brilho de felicidade em seus olhos e ainda resistia nelas o cheiro fresco de futuro. As crianças não se concentram no agora, elas não se preocupam com os porquês do presente, para elas, estas, são inquietações desnecessárias...
O pai ficou lá, em pé, preso, assistindo a família que ia embora, o brilho de uma lagrima que não caiu de dentro dos olhos se segurando na força que fingia ter.
Daí a pouco, como se ligasse numa outra voltagem, retirou-se da vista de todos e alojou-se no anonimato da cela. Pegou o cachimbo. Acendeu a pedra. Deu duas baforadas longas. Queimou algumas centenas de neurônios, deitou-se na cama com um sorriso estúpido na face, esquecido da mãe, dos filhos, dele próprio... A droga era mais forte que todos os abraços prometidos...