Cadeia faz coisa...
Essa é uma frase
recorrente no reino dos cadeados.
É um eco...
Um eco com vida própria
que surge toda vez que a monotonia é quebrada, que o extraordinário agita o
organismo da quimera.
Aquele era um dia normal
dentro do primeiro pavilhão.
A megera estava
adormecida...
Normal ali, entende-se,
como uma rotina sempre nervosa, agitada, entra e saí de presos, muitas celas
abertas derramando muitas vidas na corrente sanguínea do raio.
Pavilhão de trabalho é
assim mesmo – sempre frenético. Tranquilo encima das águas, por baixo, as águas
rugem.
Do atento olhar do policial
penal, nada ficou esquecido. Não vou sublinhar tudo porque sugere o bom senso
que o tudo é algo estranho, abstrato. Tudo, somente Deus. E, lembrem-se, que
por baixo da superfície da cadeia as águas são turbulentas...
A manhã era preguiçosa.
Um preso tecia uma rede de
pesca, outro cuidava das mercadorias da pequena cantina. Uma mariposa, mulher
de cadeia, entrava furtivamente numa cela e todos fingiam não ver, mas todo
olho dentro do pavilhão viu. Dois homens carregados de janeiros caminhavam pela
quadra de esportes, naquela manhã surpreendentemente esquecida. Um índio tomava
um chá frio. Dois índios comiam pães adormecidos. Três índios tomavam tereré.
A manhã era mesmo
preguiçosa...
De repente... a quimera
tem um espasmo... a casca frágil do extraordinário se quebra e eclode junto com
o parto do fora do comum um grito do agente: “Tem alguém encima do telhado!”
Todos buscam o telhado,
mil olhos procurando o desconhecido e todos conseguem ver, um preso vindo por
cima do telhado, desembalada carreira, em direção do precipício de uns sete
metros que desembocava na dura quadra de concreto dentro da entranha do
monstro.
“Estranho...” pensou o
policial penal, “o preso não corria para fora, ele corria para dentro da
cadeia...”
Começa uma correria por
todos os lados dentro do pavilhão.
Presos pensam numa mesma
frequência.
Alguém joga um velho
colchão no chão duro da quadra, no mesmo instante, o corpo do preso se estatela
no concreto da quimera. Nunca falei antes, a pele do monstro é de concreto.
“Ele se jogou lá de cima”,
alguém sugeriu o óbvio.
Os presos se ajuntam,
recolhem o caído como se ajuntassem cacos do mais fino cristal e com excesso de
cuidados levam até a área de segurança onde é retirado pelos policiais penais
para as providências de emergência e hospital.
Nas grades de segurança,
dezenas de rostos se colam ao frio aço das grades tentando entender o motivo de
alguém querer se matar assim... assim... ou de qualquer outra forma...
Presos pensam numa mesma
frequência, como se ouvisse o questionamento íntimo de todos, um deles
responde:
- Cadeia faz coisa...
E um coral de vozes
assustadas responde em uníssono:
- Cadeia faz coisa...
Enquanto isso, uma vida
quebrada é levada urgente para o hospital.