quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A ADAGA E A CARNE


Sinto sua falta!
Assim mesmo, sem prolixidade, sem sofisticações pirotécnicas no desespero, sem maiores cosméticos na dor, sem razões acadêmicas para explicar tamanhas saudades.
Tudo natural! Nu!
Tão verdadeiro quanto a alegria que sinto contigo por perto.
Entendes...
Proximidade, satisfação. Ausência, dor.
Equação de minha vida.

E falo nisso sem querer tapinhas nas costas, abraços solidários ou lenços nos cantos dos meus olhos.
Quero mesmo é beber no mesmo cálice dos sorrisos as lágrimas que me corroem agora.
Quero a alegria de estar ao seu lado.
Quero ainda que de um jeito insano a sua ausência.
Pois que contigo tudo é absoluto e intenso!
Não conheces meias medidas!
Se na presença, o corpo goza generoso cada instante; na ausência, o espírito purifica o sentimento de te amar plenamente.

Venha, venha então, linda flor do campo!
Pois quem te possuirá será um corpo corrompido de desejo, e o gozo será do mais puro e refinado amor!
Sei e sei demais pela consciência que este tempo me dá, que tua presença é carne; tua ausência, adaga. Ambas juntas é amor, esta ferida letal, pois quanto mais a adaga fere a carne, mais a carne quer sofrer.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

QUERIA QUE VOCE ESTIVESSE AQUI



Tudo por aqui é igual.
O céu continua estrelado
E os crepúsculos ainda ocorrem pontualmente.
Ouço as mesmas músicas que ouvi antes.
E todas as poesias foram revisitadas,
Como da mesma comida,
Bebo da mesma bebida,
E minha rotina é muito parecida.
O filme que vi hoje estava chato,
Ainda que o mundo inteiro tenha gostado.
Meus textos não me sorriem mais,
E minha inspiração foi cavalgar outros prados.
Saio de casa com vontade de voltar.
E, quando volto, a vontade que fica era de estar em qualquer outro lugar.
Sinto-me como um cão entre cães vagabundos!
Sonhar é um exercício que não faço mais...
Todas as descobertas que faço são tolas.
Um novo barzinho com musica ao vivo.
Uma nova canção capturada no radio.
Um belo filme europeu.
E aquele blog com textos surpreendentes.
Nada mais, nada mais é bom,
O bom é inalcançável.
Se tudo, meu amor, é tão igual,
Porque as coisas perderam o sabor?
Porque meu mosaico ficou black and white?
E todos os meus cantos não me parecem mais meus?


Voce não está aqui...
Voce não está aqui...


Tu és o segredo de todas as coisas.
O tempero para minha felicidade.
O ar que eu respiro.
A inspiração de minha poesia e de minha vida.
A cor dos meus dias.
A beleza das alvoradas e de todos os ocasos.
Sem você aqui
Minha vida programada é entediante,
E todos os acasos e improvisos são estúpidos.
Percebes?
Estou condenado à infelicidade
Sem você aqui...
Queria que você estivesse aqui...
Agora...

terça-feira, 15 de novembro de 2011

O ENGENHEIRO E A FLOR DO BAIRRO


Era uma pessoa que já tinha quase 90 anos. Mas era o tipo de pessoa que passava por nós na rua e era incapaz de não nos cumprimentar, de nos tirar o chapéu. Era cordial. Solícito. Prestativo. Era uma pessoa que parecia preocupar-se com os outros. E que faleceu a conversar com a empregada enquanto a mesma lhe preparava o pequeno almoço (café da manhã). Ela disse que virou-se para colocar algo no microondas e ele sentado no sofá, caiu para o lado. Foi um ataque cardíaco fulminante. Chamava-se J.C.R.A.. E em mim, deixará muita saudade. E o orgulho de poder ter conhecido e trocado experiências de vida com alguém que tinha na sua simplicidade a mais pura sabedoria. Cuidava da esposa que tem Alzheimer. Estou triste. Sei que a morte faz parte da vida, mas pessoas como o Sr. Engenheiro, faziam desta vida, deste mundo, um lugar melhor para se viver, conviver... (Testemunho da flor do bairro)


Algumas histórias que são contadas para nós, se armazenam dentro da memória, e isto é bom. Outras, que não nos encantam, passam tão rápido por toda a gente que sequer nos lembramos que um dia tivemos contato com elas, isto é mal. Mas, existem algumas histórias, que de tão lindas, mágicas, ou sabe-se lá que nome se deve dar para elas, vão direto para o nosso coração, e lá vicejam e nos fazem melhores, isto é maravilhoso.
O engenheiro era um velho senhor já aposentado, na casa dos seus 90 anos. Era daquelas pessoas sempre prontas para doar um sorriso, uma gentileza, um elogio, não por protocolos ou cerimonialismo, simplesmente, por que era do seu coração.
Ele a conheceu no balcão da farmácia, onde ela lá se encontrava todos os dias. Não precisou de muito tempo para que, o velho engenheiro, percebesse que estava diante de alguém especial. Ele pensou, ali estava uma flor.
Porque ela a recebeu com um sorriso sincero, depois lhe desejou um bom dia com tanta honestidade que ele, o velho engenheiro, soube no começo da manhã que o restante do seu dia seria ótimo.
Ele foi atendido como se ela fosse realizar a ultima venda que haveria neste mundo, e, por alguns instantes, num evento simples e comercial, ele se sentiu especial.
As pessoas boas têm essa propriedade admirável que as fazem singulares, o contato delas com os outros, fazem com que estes sejam iluminados por sua luz, e, tanto o velho engenheiro como a flor do bairro, eram pessoas dessa estirpe.
Ele foi embora e se despediu dela chamando-a de flor de bairro, e, por flor do bairro, foi pelo que doravante, sempre a tratou.
E, todos os dias, ele passava em frente a farmácia, fazia uma menção gentil tirando seu chapéu da cabeça e a cumprimentava num ritual diário e carregado de gentilezas mútuas: “Bom dia, flor do bairro!”
Ela sorria, e seu sorriso iluminava o velho senhor e todo o lugar: “Bom dia, Senhor Engenheiro!”
E, de quando em quando, falavam da vida, de generalidades diversas, pequenas coisas que para alguns são pequenas demais, todavia, para outros, os sábios, entendem que são estas pequenas coisas que enchem a vida de felicidade e doçura.

Num dia qualquer que nasceu para ser igual a todos os demais, o senhor engenheiro não apareceu. Ela sentiu falta dele, logo nas primeiras horas, ainda que os afazeres do trabalho engolissem seu tempo e sua atenção.
Depois, surgiu alguém montado no negro cavalo da tragédia, e deu a notícia que ela jamais quereria ouvir: “O velho engenheiro morreu, derrotado por um infarto fulminante do coração!”
Ela se recolheu para um canto da farmácia, se fechou dentro de seu coração e da tristeza, queria um breve momento consigo, queria chorar a perda do amigo tão querido, e todas as suas lágrimas foram uma oferenda de saudades no altar de boas memórias que guardaria dele para todo o sempre.
Voltou para o balcão da farmácia e enxergou no meio da calçada o velho engenheiro a olhar para ela, elegante, sorridente, rosto resplandecente a se curvar num gesto gentil com o chapéu e a lhe dizer: Adeus, flor do bairro! Depois, da mesma forma mágica como surgiu, montou em um belo e alado cavalo branco e voou para o céu azul que se abriu para recebê-lo com honras no paraíso.
Ela ficou lá, perdida entre lágrimas e sorrisos, comemorando a boa alma que ganhava o éden, arrazoando consigo mesmo que, jamais, bons corações deveriam ser vencidos.
Os bons, comemorou, são eternos!