quarta-feira, 29 de abril de 2020

23 PINOS



Colou na grade do raio e pediu ao policial penal para sair.
O segurança olhou para ele e num vislumbre entendeu que a coisa era séria.
Academias e manuais ensinam, experiência ensina muito mais.
Assim que pulou para fora, meteu a mão por dentro da calça e entregou um chucho enorme, mais ou menos 38 centímetros, a ponta mais fina que maledicência.
Foi para a sala do chefe.
Essas situações exigem um pouco de conversa e muito de documento.
Enquanto isso, um grupo de sentenciados colavam na grade logo atrás, quando viram ele saindo do pavilhão, foram fazer algumas averiguações e logo descobriram o motivo: haviam sido furtados!
Ladrão que rouba ladrão tem sete anos de perdão???
Começou uma agitação, um falatório nervoso que foi contido pelos policiais penais.
A cadeia remexia-se regurgitando sua podridão.
O jovem ao chegar entregou todo o serviço.
Não se fez de rogado, estava arrependido e isso era transparente.
De noite, alguém colou nele e o convidou para cheirar um pino.
Ele era viciado, muito viciado.
O pino solitário alvoroçou todos os instintos malignos dentro dele, algo que estava adormecido acordou com fome, ele precisava de mais, mais, e como ter mais se não tinha dinheiro.
Um demônio sugeriu em seu ouvido desatento e insipiente: pegue o dinheiro da cantina da população, ninguém vai saber... ninguém vai saber...
Dentro do raio, alguns internos exercem algumas funções para o benefício de todo o grupo ali alojado. Isto tem remuneração, pouca ou muita, sempre tem remuneração.
No caso desse jovem, ele era o cantineiro.
Portanto, o dinheiro da população que fazia pedidos na cantina da penitenciária estava todo ele na mão dele – nesse dia duzentos e trinta reais.
Não se fez de rogado.
Pegou o dinheiro guardado, foi na boca do raio – para quem quer se perder o capeta sempre tem uma porta belíssima de entrada – e gastou todo o dinheiro em 23 pinos.
Cheirou todos eles, na madrugada.
Quando a alvorada chegou expulsando todos os demônios, o anjo do juízo chegou esparramando sua luz.
O ladrão caiu em si.
O capeta tinha ido embora, o efeito da droga havia passado e tudo o que sobrou foi um monstro chamado arrependimento arrastando suas correntes no sótão de sua consciência e uma conta de 230 reais para pagar, uma fortuna, que ele não tinha como satisfazer.
Só havia uma saída... Se jogou do raio...
Os papeis foram feitos, lagrimas foram derramadas, o azeite do arrependimento deixou o seu rastro pelo corredor e por onde quer que ele passou.
Na cadeia, entretanto, arrependimentos não pagam contas.
Só existe duas formas de se pagar contas dentro da quimera: dinheiro ou sangue.
A primeira ele não tinha e a segunda não o agradava.
Subiu para a cela disciplinar, chorando e consternado.
Quando passou em frente o pavilhão uma dezena de olhos grudaram nele.
Ele não olhou, mas sentiu a pontada das facas que lhe eram atiradas.
Uma voz, entretanto, escapou em meio a turba, fina e delicada que soava diferente naquele lugar.
- Que é isso irmão? Vai sofrer naquele lugar... aqui é a sua casa, vamos conversar, tudo tem jeito... chega aí... chega aí...
Pararam. O jovem era escoltado por dois policiais penais.
O ladrão de fora olhou para o ladrão de dentro.
Seus olhares duelaram no grande corredor.
O que havia furtado viu dentro do olho do outro a morte vestindo-se de donzela convidando-o para fazer amor.
Ele soube dentro do seu coração que dentro da cadeia não existe gentilezas.
Olhou para os agentes que o escoltavam e decretou: Pode seguir o cortejo, Senhor!
Seguiu para ser encaixotado.

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