domingo, 6 de julho de 2008

SOBRE AMIGOS E FILOSOFIAS...


Sua formação intelectual calcada em Dostoyesvky, Cervantes, Hemingway, Hitchcock, Pessoa e Neruda lhe deram um intenso senso de cultura e uma requintada noção de sensibilidade sobre todas as coisas – comemoremos, mais um poeta no mundo – entretanto, toda essa bagagem só lhe permitiu alcançar um papel periférico nas oportunidades profissionais.




Não me perguntem os motivos, eu não saberia descrevê-los, porque alguém tão especial não conseguia traduzir suas potencialidades em algo mais palpável para sua existência...


Talvez, estejamos todos fazendo as perguntas erradas.


Será realmente mesmo tão importante o sujeito ter um belo cargo público? Será mesmo tão importante o sujeito ser um notório empresário, bem sucedido no mundo dos negócios?


Estas perguntas funcionam com algumas pessoas, mas não com todas. Existem aquelas que acreditam ser mais importante viver sem estas preocupações todas de sucesso profissional, sem quaisquer discussões meritórias se elas estão erradas ou corretas. O importante, ao final de tudo, é que cada um seja feliz na forma que consiga sê-lo.


Sei que estar perto dele era algo realmente diferente. Era um exercício poético pleno. Sua sensibilidade aflorava em cada frase. Seu olhar buscava sempre o interior das coisas, como se as coisas não possuíssem cascas ou quaisquer vestimentas, estando sempre nuas para ele. Suas frases eram versos calmamente construídos, possuindo uma erudição algo rara, uma citação aqui e ali, uma figura de linguagem acolá, em todos os sentidos geográficos de sua fala o conhecimento transbordando de uma forma viva e vibrante.


Não vou dizer que sentia inveja dele, inveja é um sentimento ruim e me furto o direito de possuí-lo. Transformava-o, na verdade, num modelo a seguir, ainda que meus valores pessoais impediam-me de ser semelhante a ele. Em minhas concepções de vida abundavam sentimentos de que felicidade está atrelada a minha capacidade de consumo, um jeito capitalista de ver as coisas que extirpa todas outras noções filosóficas de felicidade. Gente como eu, acha gente como esse meu amigo, maluco, e coloca o que é mais fundamental para ele na periferia de nossas preocupações diárias. Será que conseguem-me entender todos vocês? Ainda que admirasse a sua forma de viver, não possuía a coragem necessária de encarar aquele modelo. Porque, acredito, ainda que haja esta competitividade absurda, ser feliz através da futilidade das materialidades é mais fácil. É uma felicidade que se compra no primeiro Shopping, na concessionária da esquina. O modelo dele não. Tem de ser trabalhado, é uma conquista diária, é saber que sofrimento também faz parte da construção de cada ser humano e sem ele não conseguimos atingir um estágio superior. Quem está realmente disposto a sofrer para melhorar?


Acabei por me afastar dele.


Seu jeito de viver intenso era algo que acabava incomodando.


Seu jeito de ser, sua perspicácia, seu poder de observação, tudo isso conquistado em seu quotidiano e em anos de dedicada leitura fazia com que todos nós outros, que estávamos ao seu redor, ficássemos como eternos espectadores de seus solilóquios involuntários.


Não sei o que ele é hoje na vida. Como ganha a sua vida profissionalmente, se casou e mesmo se está vivo. Sei que o sinto nas coisas, num jardim, no sol que nasce e se põe, naquelas coisas poéticas que ele costumava chamar-me a atenção enquanto conversávamos sobre livros e filmes, sentados de frente para a vida em um galho de arvore ou mesmo no meio fio de uma calçada de uma rua qualquer no final do mundo.


De minha parte, não mudei muito. Continuo correndo atrás de muitas coisas e todas elas me fazem correr ainda mais atrás de outras, nenhuma delas me satisfazendo plenamente. Desafrouxo o nó da gravata, coloco a pasta cara encima da mesa e olho para o horizonte por uma janela de um escritório chique o bastante para impressionar as pessoas mais tolas e mesquinhas que eu próprio. Somos todos pequenos, penso, enquanto meu olhar busca meu amigo em uma distância impossível para eu percorrer. Alcançam-se facilmente todas as coisas que estão separadas pelo espaço, fica bem mais difícil alcançar aquelas coisas que estão incrustadas no tempo, impossível alcançar àquelas que estão separadas de nós pelo espírito.

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