quarta-feira, 2 de julho de 2008

AFRODITES


As duas surgiram de repente, quando as tesouradas da cabeleireira derrubavam estilhaços dos últimos heróis da resistência em minha cabeça. Jovens, belas, sorridentes, bem humoradas, com aquele olhar de que tudo o que é importante está ali com elas. A juventude nos permite esta arrogância, acreditar que o mundo é nosso quintal, e que o tempo é um senhor de barbas brancas algo gagá, que está tão preocupado com outras coisas que se esqueceu de nós.


Elas puxaram conversa com a outra jovem que estava por ali, tão nova quanto elas próprias, tão bela quanto elas próprias, a juventude tem este dom, transforma todas as mulheres em Afrodites. Fiquei por ali, fingindo interesse pelas tesouradas, todos os sentidos viajando pelas palavras das três jovens, respirando o mesmo ar que elas, banhando-me com o brilho daqueles sorrisos mágicos. Ah! Uma mulher encanta um homem...


Uma brisa tocou-me a pele após roçar as delas; o sol lá fora, ofuscou-se ao sorriso das garotas; uma delas cruzou suas pernas, enquanto falava de música e brincadeiras juvenis; outra olhava meu reflexo no espelho de viés, entretida com a habilidade da cabeleireira; a terceira, passava a mão pelos seus cabelos, como se eles fossem uma cascata de águas negras que caiam sobre seus ombros brancos e nus, belo contraste. E eu ali, encantado, a olhá-las de mansinho, roubando em cada olhadela furtiva a beleza de suas aparências inocentes.


De repente, como se soasse um clarim para despertar-me de um sonho, a cabeleireira anunciou o término do trabalho.


Caramba, o tempo é mesmo relativo!!!!


Olhei para meu reflexo no espelho e vi o tempo, na marca dos olhos, no sorriso gasto pelos vincos. Voltei meus olhos para as pequenas e jovens Afrodites e lá estava ele novamente, o tempo, brincando de roda naquelas peles lisas e suaves, esticadas como se fossem o mais belo de todos os cetins.


Ainda arrebatado, parti, entretido com devaneios sobre tempo e juventude que partem para terras longínquas. Já na estrada, fui acordado pelo beijo de meu filhinho. Olhei pelo espelho retrovisor do carro e um anjo em seu viço de idade me sorriu com seu rosto mais belo, com alguns dentes ainda não nascidos, com a inocência em seu esplendor. Era o tempo dizendo-me para me acalmar, a mocidade é um bem transitório, para todos nós...
O tempo e a estrada, estes dois longos caminhos, levavam-me para longe daqueles momentos poéticos, sobrevivia nas narinas, o frescor e o perfume das três Afrodites. Pois sei que estas, num dia desses qualquer, bem modorrentos, terão as suas tenras e frescas idades também colhidas no jardim da vida, porém, nunca em minha memória terrena, neste prado elas serão sempre jovens, arte, poesia, esculturas em pedra paixão.


Ah! Juventude, esta bela flor do jardim do tempo...

Dedicada a todas as Afrodites de Vicentina, Fátima do Sul e Culturama.

AFRODITE: Deusa grega da beleza e do amor.

Nenhum comentário: