quinta-feira, 10 de setembro de 2009

CARTA A STALINGRADO



Stalingrado...
Depois de Madri e de Londres, ainda há grandes cidades!
O mundo não acabou, pois que entre as ruínas
outros homens surgem, a face negra de pó e de pólvora,
e o hálito selvagem da liberdade
dilata os seus peitos, Stalingrado,
seus peitos que estalam e caem,
enquanto outros, vingadores, se elevam.
A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais.
Os telegramas de Moscou repetem Homero.
Mas Homero é velho. Os telegramas cantam um mundo novo
que nós, na escuridão, ignorávamos.
Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,
na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas,
no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,
na tua fria vontade de resistir.


Saber que resistes.
Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.
Que quando abrimos o jornal pela manhã teu nome (em ouro oculto) estará firme no alto da página.
Terá custado milhares de homens, tanques e aviões, mas valeu a pena.
Saber que vigias, Stalingrado,
sobre nossas cabeças, nossas prevenções e nossos confusos pensamentos distantes
dá um enorme alento à alma desesperada
e ao coração que duvida.
Stalingrado, miserável monte de escombros, entretanto resplandecente!
As belas cidades do mundo contemplam-te em pasmo silêncio.
Débeis em face do teu pavoroso poder,
mesquinhas no seu esplendor de mármores salvos e rios não profanados,
as pobres e prudentes cidades, outrora gloriosas, entregues sem luta,
aprendem contigo o gesto de fogo.
Também elas podem esperar.
Stalingrado, quantas esperanças!
Que flores, que cristais e músicas o teu nome nos derrama!
Que felicidade brota de tuas casas!
De umas apenas resta a escada cheia de corpos;
de outras o cano de gás, a torneira, uma bacia de criança.
Não há mais livros para ler nem teatros funcionando nem trabalho nas fábricas,
todos morreram, estropiaram-se, os últimos defendem pedaços negros de parede,
mas a vida em ti é prodigiosa e pulula como insetos ao sol,
ó minha louca Stalingrado!
A tamanha distância procuro, indago, cheiro destroços sangrentos,
apalpo as formas desmanteladas de teu corpo,
caminho solitariamente em tuas ruas onde há mãos soltas e relógios partidos,
sinto-te como uma criatura humana, e que és tu, Stalingrado, senão isto?
Uma criatura que não quer morrer e combate,
contra o céu, a água, o metal, a criatura combate,
contra milhões de braços e engenhos mecânicos a criatura combate,
contra o frio, a fome, a noite, contra a morte a criatura combate,
e vence.
As cidades podem vencer, Stalingrado!
Penso na vitória das cidades, que por enquanto é apenas uma fumaça subindo do Volga.
Penso no colar de cidades, que se amarão e se defenderão contra tudo.
Em teu chão calcinado onde apodrecem cadáveres,
a grande Cidade de amanhã erguerá a sua Ordem.


(Andrade, Carlos Drummond de. A Rosa do Povo. Rio de Janeiro: Record, 1987)

9 comentários:

G I L B E R T O disse...

Post Scriptun

Ilustrações retratam a cidade de Stalingrado, em 1943.

Rosan disse...

Gilberto.
Preciso de todas essas bençãos.
Stalingrado, lembra muita dor, que o mundo viveu, naqueles dias e vive ainda nos dias atuais, onde tantos vivem nas trevas, sem amor, sem paz.
Mas sei que tudo está mudando e vai ficar cada vez melhor, as pessoas mais iluminadas, começam a ouvir mais o coração, e assim tudo se torna sentimento.
A natureza nos mostra o caminho, os cactus nos mostram através de suas flores que é possível.
agradeço a bela visita.
Abraços luminosos.
Rosan.

Anônimo disse...

Gilberto,
vc acredita que a minha filha gosta de ler este livro.
E depois fica pedindo explicação dos poemas.
Não é uma coisa linda minha menina.
Bjs.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lídia Borges disse...

E enquanto um só homem resistir não morrerá a esperança...

Obrigada por trazer este maravilhoso texto para que a memória não se apague.

Eu disse...

Bom dia Gilberto!

Seu blog é uma preciosidade.
Fico feliz que tenha encontrado o meu e assim me dado a oportunidade de estar aqui.

Vi que comentaste em algumas postagens minhas... e só tenho a agradecer de todo o meu coração.

Estarei acompanhando seu blog.

Um abraço carinhoso

Maria das Graças disse...

Gilberto, esse texto de Drummond é um retrato emocionante da alma da maravilhosa cidade de Staliningrado (St.Petersbug). Uma cidade grandiosa que transpira cultura,uma história linda de resistência, reconstrução, amor a cultura e suas tradições.
Conheci St. Peterburg em 2008,foi uma das mais fortes emoções de minha vida. É uma cidade inacreditável que leva a reflexão: que grande capacidade de soreviver, reconstruir e reaver seus tesouros culturais maravilhosos que foram saqueados durante a guerra. Explendorosa St. Peterburg!!!

Um grande abraço

Anônimo disse...

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Vera (Deficiente Ciente) disse...

Obrigada pelas palavras encorajadoras!
Também fiquei encantada com suas palavras!
Infelizmente, o ser humano ainda tem uma certa dificuldade para conviver com as diferenças. Se o homem atual trava como ele mesmo uma busca incansável pela satisfação pessoal, imagina a dificuldade que ele vai ter para aceitar e conviver com os diversos tipos de pessoas(raça, cor, deficiência, religião, etc).
Seria tão bom se as pessoas aprendessem a respeitar os seus semelhantes e aceitá-los como eles realmente são, não é? Acredito que exatamente ai entra a educação básica que é papel dos pais ensinarem seus filhos a conviver e respeitar as diferenças e depois vem o papel da escola.
Vamos aguardar, pois ainda chegaremos lá...
Obrigada, Gilberto!
abraços
Vera

Obs.Estou gostando muito do seu blog!