sábado, 6 de junho de 2009

O CARONA


Ficava lá em pé, absorto, aguardando alguém que parasse e lhe desse uma carona. Nunca a pedia. Nunca sequer levantava um dedo para faze-lo. Ficava simplesmente, em pé, como uma estátua viva, aguardando ser reconhecido por alguém. Muitas vezes, achei-o tão distraído, que poderia tocar-se em seus pensamentos. Seus olhos fitavam longe, perdidos num ponto qualquer do vazio da distância. Notava-se seu semblante calmo, tranqüilo. Somente seus pensamentos corriam, e ele, parecia correr junto com eles, alcança-los e vence-los em velocidade!

Chegava sempre no final das tardes. Nunca soube o que fazia na cidade. Nunca soube o que o trazia ali todos os dias e para onde a vida o levava quando conseguia a carona. Admirava seu andar calmo, sua paciência no aguardar seu momento, sua certeza da vitória, sua educação no tratar as pessoas.


Muitas vezes, quis ir até ele e conhece-lo !


Mas a vida para mim é urgente, lépida e eu, esqueci-me há muito tempo a poesia. Perdi em algum canto do destino minha paciência e minha vocação para fazer amigos, para viver como se deve viver. O trabalho, o status, minhas ambições me engoliram e devoraram tudo o que havia em mim. Hoje, sou uma casca do que um dia fui. Tenho de conviver com isso.....

O homem que chega todas as tardes para pedir carona não é assim. Sinto isso profundamente. Para ele, a vida vale a pena ser vivida. Ele depende de outras pessoas e não se importa. Vejo um brilho diferente nos seus olhos; vejo paz em seu coração, nos seus gestos mais singelos; tudo isto, mesmo não tendo na vida, nada de material que valha alguma coisa, penso assim...


E quando chega a carona e o homem entra e desaparece na distância, vejo o quanto ele é especial. Sinto a sua falta por um momento. Sinto a falta de um desconhecido. Depois, o trabalho me chama e quando a noite chega, o carona jaz no esquecimento, repousa num passado que se renovará no momento oportuno, no instante em que minha vida fútil não estiver me chamando...

Um comentário:

Regina disse...

Gilberto, meu caro amigo, às vezes, na correria do dia-a-dia, acabamos por nos esquecer das coisas simples da vida, de viver simples, de ser simples...

E parece realmente que as pessoas que sabem viver mais simples, são as que realmente sabem viver... e são felizes por isso...

Precisamos resgatar nossos valores e pararmos para pensar, o que realmente vale à pena? Precisamos realmente de tanto para sermos felizes? O que é ser feliz?

Enfim... Divagações... Divagações, meu caro!

Grande beijo!