quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O ERGÁSTULO E O FLAMBOYANT

Dirigia pela rodovia quando vi à minha direita o ergástulo(*), uma massa gigantesca de muros, concreto e grades, feita para conter em suas entranhas o homem.
O homem bruto e rude.
O homem impuro e iníquo.
O homem criminoso e aquele que errou.
A penitenciária é um universo underground, é o subterrâneo da sociedade. Ela é o ultimo portal da decência.
Pensei em todo o sofrimento que aqueles altos muros deveriam reter; pensei na tolice que cega a razão e o coração dos homens que insistem em enveredar por uma senda que não conhece justiça e que os leva para um abismo de dor, de dor.
Mas, na entrada do ergástulo, algo me chamou mais a atenção, erguia-se uma árvore flamboyant, digna e viçosa e, esta, alegre, comemorava a primavera com uma florada paradisíaca. Toda a sua copa, enorme por sinal, estava completamente florada e a cor laranja das flores enquadrava-se ao muro do presídio, que de longe, sisudo, tudo assistia. Quadro insólito!
Parei o carro, detive-me por um momento. Ainda me permito esses arroubos de sensibilidade e as comemoro efusiva e internamente. Aprecio isso em mim, confesso, e, quando estas epifanias me assaltam, sinto-me melhor, mais feliz, mais humano. Não escondo que flerto com elas, as epifanias, essas visões súbitas que me apontam seus dedos à minha face e clamam-me! Atente! Poesia!
E eu bebo esta poesia que a vida me dá (nos dá) gratuitamente, sorvo delicadamente cada gole como se cada um deles fosse o ultimo de minha vida. Eu sou pequeno, reconheço, aos olhos do mundo. Mas isso não me incomoda, minha poesia me faz diferente, me faz maior que eu mesmo.
O flamboyant florido sugeriu-me um discurso que gostaria de recitá-lo em versos e rimas para o mundo inteiro. Deixem-se todos levar-se pela poesia, a poesia da vida, da sensibilidade, que nos faz perceber as belas e pequenas coisas que nos cercam. As verdadeiras emoções estão aí, atreladas às epifanias e as visões repentinas que cercam estas pequenas coisas e que a vida nos oferece a todo instante.


Cheguei frente àquela bela árvore florida e sua beleza me cativou, encantou, tornou-me pequeno. Via a árvore, suas flores, sua abundante cor laranja acariciando-me os olhos, a poesia é alaranjada, pensei! Um suave perfume desprendia-se dela, respirei fundo aquele ar fresco, perfumado e energizado. O sol quente lembrava-me que a tarde estava em seu ápice. Senti-me livre, livre, livre... E, mais além, o símbolo maior da ausência da liberdade, o ergástulo, a prisão. Quadro insólito!
Pensei nos muitos homens lá dentro, presos, desprovidos da capacidade de sentirem a liberdade em sua essência e mesmo na aparência. Para muitos, a liberdade é somente uma aparência. Tive a certeza de que, mais dias, menos dias, muitos homens sairiam por aqueles poderosos portões e a liberdade lhes sorriria e abriria para eles os gentis braços outra vez. Mas, a maioria deles, tanto lá dentro, quanto aqui fora, jamais seriam livres em total plenitude, porque a liberdade verdadeira ergue-se sobre dois alicerces magnânimos: a sensibilidade e a simplicidade. A maioria dos homens, acreditem, vêem tanto um quanto outro como fraqueza, condenam-se a viver uma liberdade aparente, oca, vazia. Estão presos em sua insensibilidade...
Não vou condenar ninguém!
O flamboyant florido de laranja não condena!
Aquela árvore tão linda ao emprestar para um lugar que somente conhece dor e sofrimento, a beleza de seu sorriso mais belo e laranja, ela o redime e convida para que todos vejam:
- Atentem! Poesia!
Quiçá que a liberdade dos homens os façam enxergar e apreciar a poesia do flamboyant e, serem assim, efetivamente, livres, livres!

(*) Ergástulo público = Cadeia pública


7 comentários:

Cris França disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cris França disse...

Meus Deus! Gilberto!

Que texto supremo! estou em êxtase!

Não sei dizer o que é mais belo:
O Flamboyant
Os teus olhos de poeta
Ou o texto, esse último parágrafo então...rouba-nos as falas todas e deixas nos sentir a beleza, o frescor e a suavidade que sentiste no momento.

Uma das coisas mais lindas que já li, quiça a poesia te roube do cotidiano mais e mais vezes, para que nos presentei com essa beleza com que desfilam as poesias em Nel Mezzo del Cammim.

Um beijo doce

Cris

Anônimo disse...

Texto maravilhoso mesmo amigo e ainda aprendi uma palavra nova.
Bjs.

Manuela Freitas disse...

Olá caro amigo,
Este teu texto poético é de facto maravilhoso. Gostei muito e vi-me completamente arrastada para essa tão bela árvore, o contraponto triste e feio da prisão fica realmente muito atenuado...
Bjs,
Manuela

Anônimo disse...

"Eu sou pequeno, reconheço, aos olhos do mundo. Mas isso não me incomoda, minha poesia me faz diferente, me faz maior que eu mesmo..."

Sem comentarios...LINDOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!!!!

Desculpe-m pelo plágio mas...teu Blog é o Flamboyant que ilumina nossos olhos em meio esse mar de asneiras que vemos por aí...!!!!
( ops, como o meu...!)
Parabéns Gilberto, você enternece minhas tardes!
bjo
Zana

Regina disse...

Querido amigo,

Sensibilidade pura, incorporada neste texto...

E que os desprovidos de liberdade também consigam um dia, enxergar a beleza da vida e reflitam o quão belo é viver e poder sentir esses pequenos prazeres de poder admirar a beleza de uma árvore...

E que a vida pode ser linda sem a necessidade de ter que caminhar por caminhos obscuros...

Não há riqueza maior do que ser livre!!

Beijos no coração!!

Anônimo disse...

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