terça-feira, 19 de maio de 2009

HOMO SAPIENS

Não pergunte como, algumas vezes as razões desconsideram as razões elementares e nestas ocasiões devemos apenas nos contentar com os resultados, sem maiores considerações com os porquês.
O fato é que encontraram-se todos os elos da evolução humana numa fresta dimensional do tempo. Estavam lá o primeiro macaco, um homem de Neanderthal, o Homo Erectus e o Homo Sapiens; sentados sem maiores afazeres numa grande duna de um deserto sem fim. A um canto qualquer estavam os demais elos o Homo Habilis, Homo ergaster, Homo helderbergensis, Homo Sapiens Idaltu, Homo florensiensis, todos de bobeira, sem nada para fazer.
O macaco original pulava para lá e para cá, perdido, o que são os macacos sem uma árvore para dependurar-se?
O Neanderthal estava em pé olhando para o horizonte branco e somente branco, o tacape desprezado a um canto qualquer.
O homo Erectus estava a frente de uma pedra, pois pedras ainda haviam, lascando um metal qualquer na rocha, fazendo uma arma de caça. Era um ato intuitivo de sobrevivência, não belicoso, ainda que houvesse pressentido a sua maneira que caça não mais havia.
Olhando com desprezo para toda essa cena estava o homo sapiens, vestido de Giorgio Armani, a gravata de grife solta, os punhos dobrados até a altura correta dos braços, esbanjando uma elegância desnecessária.
De repente, surgindo do nada, houve um clarão de luz e do meio dessa bola ofuscante surgiu levitando um homem vestido num habito branco.
O macaco original esgarniçou-se assustado e saiu correndo para um canto qualquer igual a todos os outros cantos, pois que todos os cantos eram iguais.
O Neanderthal esbugalhou os olhos num esforço exagerado, clarões repentinos e homens surgindo no meio deles estavam além de sua compreensão pequena como seu cérebro, saiu correndo gritando Uga! Uga! Uga!. O pouco entendimento do Neanderthal lhe impulsionava a um único ato tão natural para ele quanto respirar – correr, fugir daquilo que não compreendia.
O homem Erectus saltou rapidamente, e sua lança já afiada foi atirada com força e precisão no meio da bola ofuscante. Seu algum entendimento e seus instintos lhe impulsionavam a atacar para se defender – era um selvagem e como selvagem respondia em nome de sua sobrevivência, há que se entender seu gesto e perdoá-lo por isso.
O vulto no meio do espectro levantou uma de suas mãos em direção ao dardo e este surpreendentemente ficou parado no ar, ferindo todas as leis da física até então conhecidas.
O homo Erectus assustou-se, como haveria de ser, saiu correndo assustado para qualquer lugar e lugar nenhum, pois, na verdade, lugares reais não mais existiam.
O homo sapiens olhou para este novo cenário estupefato, mas sua inteligência fantástica o fez raciocinar sobre toda a situação. Contra este novo ser, ele pensou, armas não teria efeitos... E que armas? Somente existiam paus e pedras. Correr era besteira, ele o alcançaria facilmente. Resolveu então lutar com suas melhores ferramentas – a inteligência e a retórica.
- Quem é você? Perguntou ao vulto na bolha.
- Eu sou uma de suas possibilidades, sou aquilo que poderias ter sido, sou o Homo Espirictus.
- Ahhhh! Fingiu entender o homo sapiens e completou.
- O que queres aqui? Aqui nada tem, queres apenas assustar aqueles idiotas?
- Não zombe deles, homo sapiens! Você já foi aquilo que tanto zombas...
- Que tu queres então?
- Quero apenas conhecer o homo sapiens, entre todas as criaturas do universo a mais fantástica e a mais tola...
- Tolo, eu?? Estais enganado, criatura! Eu inventei centenas de idiomas, eu criei edifícios que arranhavam os céus, eu cheguei na lua e fui além, como pode haver tolice nisso???
- Reconheço! Mas teus idiomas não te ensinaram a se comunicar verdadeiramente com seu semelhante; seus arranha-céus não serviram de teto para seus iguais; e tuas viagens interplanetárias te trouxeram tecnologia e conhecimento, mas não te trouxeram sabedoria para ver quais eram as reais necessidades da humanidade. Enquanto viajavas para Marte, pessoas caiam mortas de fome ao teu lado. Tu fostes fútil e de inutilidades materiais enchestes teus desejos. Em vez da harmonia espalhaste a discórdia; devias ter procurado a paz, mas tudo o que semeastes foi a guerra. Poluístes a Terra. Destruístes a natureza, a água, o ar com todas as tuas vontades de conforto e riquezas a qualquer custo. O mundo que guardou todos os teus antepassados, para ti foi pequeno. Zombas daqueles que fugiram, mas eles viveram suas vidas com plenitude e evoluíram até você... Você não evoluirá até mim...
Perplexo, o homo sapiens perguntou:
- Como assim?
- Estais vendo este deserto ao teu redor, este mar de areia sem fim?
- Sim, o que tem ele?
- Esta é a Terra que tu criastes com os teus instintos capitalistas exacerbados. Chamas de selvagem o Neanderthal, mas, para mim, és mais selvagem que ele. És estúpido e egoísta. Destruístes o planeta com tuas guerras e tuas sujeiras. Eu seria o próximo passo da evolução humana, mais um elo da grande corrente que começou com o macaco original, eu seria o Homo Espirictus, mas, graças a você, não existirei. Serei apenas essa sombra maravilhosa que sugerirá no abstrato a maravilha que poderíamos ter sido, mas que nunca acontecerá.
O homo sapiens, combalido pela revelação da verdade, caiu de joelhos ao chão.
- Eu sinto muito... Eu sinto muito...
Mas não havia mais a quem falar, tudo havia partido. Os elos do passado, no passado estavam. O futuro ficou prisioneiro na ignorância que fora cultuada no tempo presente. O Homo Espirictus houvera desaparecido e o homo sapiens se perguntou se ele houvera estado ali de verdade. Olhando para a imensidão branca de areia, o homo sapiens se via finalmente como sempre quis estar: Dono de tudo, o grande imperador de um mundo seu, somente seu e sem fronteiras.
Mas, cadê o resto da criação?
Cadê as cores, os cheiros, os sabores?
Ele era o grande senhor do nada, o vazio e o oco era seu império, e tudo isso somente não era menor que sua tolice e sua ganância.
O homo sapiens chorou, mas não houve lágrimas para derramar... Estava seco por dentro!



Cumprida a missão proferida pelas queridas amigas Regina ( Blog DEVANEIOS DE UMA VIDA) e da Cris (Blog CANTO DE CONTAR CONTOS). AGradeço a ambas por terem me atribuido o selo Premio Lemniscata, estou sensibilizado e honrado, sobretudo por tê-las como minhas amigas tão queridas. Beijos, lindas!

Devaneios de uma vida: http://www.devaneiosdeumavida.blogspot.com/ - Regina!
Canto de Contar Contos: http://www.cantodecontarcontos.blogspot.com/ - Cris!

2 comentários:

Regina disse...

Fantástico, Gilberto!

Nos faz refletir, questionar, lamentar...

Deus queira que ainda haja tempo para que os homens se conscientizem e comecem a tratar com mais carinho o planeta em que vivem... Que usem a inteligência realmente para o bem... Não gostaria de acabar assim, no meio da destruição e do deserto!...

Bastante criativo e verdadeiro o seu texto...

Muito obrigada por ter "cumprido" este desafio... Sabia que se sairia bem!

Beijo grande!

Cris França disse...

choremos todos com ele...

muito bem composto o texto...

este é você...mais raro entre os da tua espécie e cheio de sabedoria...

Como se diz aqui em São Paulo...
Matou a pau!
muito bom! Parabéns