quinta-feira, 14 de maio de 2009

ALGARAVIA SILENCIOSA


A rodoviária é a terra de ninguém, é a terra de todos os encontros. Quem chega, encontra-se com quem parte; quem parte, encontra-se com seus próprios sonhos; quem fica, abraça suas lágrimas de saudade, de amor, de paixão, na expectativa do retorno de quem se ama, de quem se gosta.
Nesta terra sem fronteiras, acalentava meus sonhos numa janela do tempo; à minha frente dois surdos-mudos confabulavam nervosamente; digo assim, porque seus movimentos eram rápidos, repetitivos, feito de muitas caras e bocas, dedos e mãos construindo palavras numa ganância exagerada de querer se comunicar...


Mais à frente, uma mulher bonita me olhava, numa percrustação suspeita. Olhei-me num espelho que estava próximo, ainda via-se neste corpo alguma beleza da juventude, quando os amores e as paixões visitavam-me mais constantemente. Olhei-a fixamente, pareceu-me retribuir o olhar, belo, sensual, cheio de sugestões amorosas. Enxertei em meu olhar uma doce possibilidade e nele dosei alguma poesia num flerte súbito, as alegrias podem estar mesmo na primeira esquina da vida.


Ao lado da mulher, outro surdo, de intruso, entrava no papo dos dois primeiros... Num repente, juntaram-se outros tantos a estes primeiros, e o que era um colóquio transformou-se em uma algaravia de libras, todos falando muito e ao mesmo tempo, a rodoviária sendo invadida pela conversa gestual desta brava gente. Houveram risos, algumas gargalhadas, e toda a minha curiosidade fez-se latente, queria entender o motivo dessa felicidade inaudível.


A mulher continuava lá, impassível, uma Vênus silenciosa. Continuava a me olhar... A me olhar... E que olhar...


O grupo encetou novas conversas, tiraram várias fotografias com celulares, em duplas, trios, quartetos, uns com outros e outros com uns! Parecia que se podia ouvi-los! Ficou-me a pergunta: por que um surdo e mudo precisa de um celular?


E a mulher me olhando dedicadamente... Perguntava-me com meus botões se devia me aproximar... Talvez! Puxar uma conversa... Os amores não se constroem na frieza da distância. Minha vida foi construída ruminando questionamentos, tinha de ter perdido mais tempo regurgitando respostas!


Tentei contar o enorme grupo silencioso e não consegui... Eram muitos... Mãos e gestos frenéticos discutindo a vida e todas as suas nuances...


De repente, a mulher se levanta e vem até mim... Será que se cansou de esperar pela minha ousadia? Caminha em minha direção, andar firme, porte elegante, uma belíssima representante do sexo feminino. Fico na expectativa de seu próximo ato, escolho as palavras mais belas, preparo as frases envoltas em lirismo, minha ansiedade exala feronômios, todo o meu corpo está pronto para o amor.... No entanto??? Ela passa por mim, e vai até a uma outra moça que senta-se em um banco às minhas costas... Aproxima-se dela.... Começa a gesticular.... Em todo o tempo, era a outra que observava, num diálogo silencioso...


Levanto-me, chegou o meu ônibus (pelo menos finjo que sim!). Vou-me embora, o coração chorando o amor que não se realizou, o rosto vermelho do constrangimento que somente eu conheci (os vexames são menos doloridos quando não se tornam públicos!).... Ficam para trás, as mulheres e a algaravia silenciosa...


Parto... Tentando purificar meu espírito e os pensamentos!

5 comentários:

Cris França disse...

Oi Gilberto, td bem?

Adoro o jeito como você narra a vida e os acontecimentos, e que boa é a qualidade dos teus textos e das palavras que escolhes...

Algarivia....Algaravia soma-se ao meu vocabulário, e os seus textos somam-nos como gente...

Beijos Dom Quixote!

Anônimo disse...

Oi meu querido!


VOCÊ VOLTOU
Paulo Gondim


Que bom que você voltou
Agora, meu coração sossega
E a calma volta para mim
E no milagre da entrega
Até meu velho pé de jasmim
Floresceu, todo branco
E para maior encanto
É primavera, enfim

Primavera, sim
Pois o inverno partiu
E com ele, além do frio,
Minha tristeza
Pois você voltou
Pra me fazer feliz
Com seu bem-querer
O que eu sempre quis

Entre, a casa é sua!
Abra as janelas
Olhe as pedras da rua
A rua escura, que dá no rio
Que se ilumina com a luz da lua
Que volta a brilhar
Só para festejar a volta sua

Vá ao jardim, colha uma flor
São rosas frescas, todas suas
Estão mais belas e com mais cor
Esperavam por você
Como eu, com toda minha amizade.

A Torre Mágica | Pedro Antônio de Oliveira disse...

Texto fantástico!

As rodoviárias deveriam ser lugares mais bonitos, se é que a primeira impressão é a que fica. Ou, pelo menos, para que a última lembrança de uma cidade, talvez, fosse bela.

Abração.

Pedro Antônio - A TORRE MÁGICA - www.atorremagica.blogspot.com

Maria das Graças disse...

Gilberto,tenho uma palavra nova em meu vocabulário:algaravia... Adorei o texto estilo crônica que gosto muito. Falar do cotidiano com leveza e charme é uma façanha para profissionais em literatura. Desconfio que sua experiência em escrever vai além do blog.

Como você engana nessa história de doce Maria...rsrs...se soubesse como sou...se surpreenderia. Abraços.

Regina disse...

rsrs... Realmente os constrangimentos são menos constrangedores quando ninguém as percebe!...

Muitos amores acontecem em locais de embarque e desembarque! E, como tal, podemos embarcar ou não neles!!

Beijos!