O guri colou o rostinho na janela e ficou olhando para dentro como se visse um admirável mundo novo.
Lá dentro, o profissional trabalhava atento em seu ofício.
Olhou para o lado, viu o guri.
O guri olhou para ele, sorriu, fez um sinal de positivo.
Ele ficou olhando para aquele rostinho inocente – a inocência, pensou, é uma qualidade humana que jamais cresce, ela vive na Terra do Nunca, ela não conhece a fase adulta. A inocência nasce com a infância e perece com ela, num dia qualquer, quando o tempo e o destino decretam a chegada da adolescência, a porta de entrada da fase adulta no homem.
O guri não disse nada, somente ficou ali entretido em suas picardias, embalando-se por gestos juvenis – a imaginação de uma criança é sempre algo mágico.
Acontece que o guri estava à porta da cadeia, dia de visitas de crianças e, breve, entraria para ver o pai, preso e bandido.
Oh! Que doce filtro é a inocência, pensou o homem.
O guri não via a cadeia, não via o bandido nem o preso, para ele havia somente o pai, pai que logo iria ver e isso merecia sorrisos e sinais de positivo distribuídos à revelia, mesmo que para estranhos.
Daí a pouco, surgiu a mãe e o catou pelo braço, deu-lhe uma bronca mal educada e em uma atitude truculenta saiu arrastando o guri.
O pequeno partiu, arrastado pela mãe, sem entender muita coisa, acatando essa autoridade grosseira. O homem ainda pode ver quando seu rostinho pueril voltou-se para trás e com o braço solto, ergueu-o e despejou um novo sinal de positivo. Ele, por sua vez, retribuiu o sorriso e o positivo querendo e torcendo para que o tempo e o destino prolongassem a inocência naquele corpo infantil. Porque um dia, ele sabia, o guri acordaria numa manhã qualquer, igual a tantas outras na aparência, mas, ao se levantar e encarar a vida, veria tudo diferente do que sempre lhe foi.
A cadeia seria para si cadeia.
O pai seria um preso e um bandido.
E suas necessidades seriam outras e lhe impulsionariam para um novo estágio em sua existência!
Quiçá, pensou o agente, que as novas expectativas não o levassem para estradas outras cujos caminhos o trouxessem às portas da cadeia, torceu e rezou para que isso não acontecesse. Quando a inocência se vai e chega a realidade nua e crua, é necessário uma série de valores e qualidades no caráter humano que somente um bom berço e educação proporcionam para ocupar o lugar da ingenuidade que se afasta.
Um amigo carrancudo e estressado com o trabalho árduo passa à porta de sua sala, para por um momento. Ele olha para o colega sombrio, dentro de seus olhos, profundo, longamente, solta um sorriso franco e generoso e descarrega um positivo. O colega fica surpreso e se afasta sem nada dizer. Sente dentro de si, um lampejo de inocência remexer-se dentro de si. O guri desapareceu nas entranhas da quimera, mas deixou consigo um pouco de sua inocência...
Ilustração escolhida a esmo na internet, não identificado autoria.
14 comentários:
Muito lindo amigo!
Bjs.
Belíssima postagem amigo. Desculpa pela ausência por aqui.
abraços
Hugo
Querido Gilberto,
A pureza e a inocência das crianças me comovem!
Deveríamos resgatar nossa criança interior e fazer dela o nosso modo de olhar a vida sempre...
Beijos no coração...
Se todo mundo soubesse onde ficou guardado esse nosso bocado guri, o mundo seria, certamente, um lugar bem melhor pra se viver, não acha?
Obrigada amigo por essa fábula atualíssima e bem a propósito em tempos natalinos...
Beijos
A inocência de uma criança comove até aqueles que nem sequer imaginamos, acho que aflora a criança que existe dentro de todos nós!
Adorei...
Gilberto,
sem te dizer nada,nem pedir autorização,usei um comentário teu,do blog da Graça Pereira...
"Cade o menino? Perdeu-se!
cade o natal? Esqueceu-se!
Cade o espirito de natal? Diluiu-se!
Assim, não existe mais natal, se o natal não existir no coração dos homens."
Pois é. A prova ficou mais rica, e os alunos interpretaram direitinho o teu poema...
Sorry!
Obrigada,um abraço
Linda Simões
Linda
Caramba!
Havia até esquecido desse coments no ótimo blog da glorinha!
Tá vendo, o blog da Glorinha é tão rico e encantador, ela é tão bacana e maravilhosa, que encanta e inspira a gente até na hora dos coments!
Longa vida para a Glorinha!
Longa a vida para voce minha linda amiga, Linda Simões, por ser tão generosa para comigo...
Nel mezzo del cammim está sempre às tuas ordens para voce utilizar os textos e poemas em teus trabalhos, sinto-me honrado!
Abraços
Olá Gil querido,
Sabes o que era urgente e necessário? Era que a inocência permanecesse em todos nós e que nada a pudesse matar...o mundo então seria um lugar belo e não o belo-horível que nos atormenta...
Beijinhos com ternura,
Manuela
Gilberto,
EU agradeço!rsrsrs E além de usar sem permissão ainda sou generosa?
E não foi o blog da Glorinha(que tbém é muito bom,por sinal)foi da Graça Pereira! rsrs
Abraço
Lindo, lindo, lindo!
Te elogiar é cair na mesmice né!!!!
Linda e atual Fábula!
Parabéns amigo!
Gil
creio que o grande desafio de nossos dias seja olhar o mundo, o nosso dia a dia, como o menino olho para o mundo.
que seus olhos sempre se renovem, e que não haja neles o cansaço que entedia, e castra os sonhos, terminando por nos fazer adultos.
sejas sempre menino...
um beijo
Cris
Infelizmente, ao tornarmos adultos, acabamos com todas as coisas de menino. A malícia toma o lugar da inocência, a vaidade toma o lugar da simplicidade, a ganância toma o lugar da generosidade e por ai vai... Felizes os tempos em que falávamos, brincávamos e sentíamos como menino!
Adorei essa postagem, meu amigo! Já estava com saudade de você!
Uma ótima semana!
Abraços!
Vera
Gilberto, muito linda a sua crônica.
Infelizmente a realidade nos rouba a inocência. Eu sempre digo que crescer dói. Somos mais felizes quando ainda resta em nós uma parcela mínima dessa ingenuidade.
bjs
Como é linda a inocência!
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