domingo, 25 de outubro de 2009

CAFÉ QUENTE NA MADRUGADA FRIA


Olhava os presos, a cadeia estava silenciosa, fechada, a cadeia dormia.
Olhava os pombos que pousavam para comer os restos de comida atirados ao pátio, a noite ainda sobrevivia, a vida começa cedo para estas aves.
Olhava para os ratos e os ratos o olhavam fixamente, ameaçadoramente, duelos de olhares na fria madrugada.
Somos todos bichos na cadeia, pensou. Alguns, selvagens; outros, na coleira; uns terceiros, domesticados. Somos todos bichos neste lugar frio e enlouquecido, bichos misturados a outros bichos pestilentos.
Estava tudo muito quieto, a tristeza esparramava seu silêncio adiposo por todos os lugares da cadeia insensível. Por que a alegria não gosta do silêncio? Questionou-se sem encontrar resposta plausível.
Em algum lugar, um rádio tocava uma canção tristonha. Mais um lamento na fria madrugada encarcerada. Um colega assobiava em seu posto, um assobio longo construído de lamúrias. Uma luz apagava-se e acendia-se de forma frenética, um balé intermitente para exultar estas tristezas que vem não se sabe de onde?
Aonde a alegria esconde-se quando o silêncio impera?
Alguém, de repente, aparece com uma xícara de café quente. Sorri. Serve-se de um gole generoso, doce, ardente, que desce acariciando sua garganta com dedos de veludo. Veludo negro. São tão valiosas estas pequenas carícias que nos são presenteadas pela vida neste lugar, aprendemos a valorizar isto aqui com profundidade. A felicidade está mesmo nas pequenas coisas, pensa, comemorando Cecília Meirelles.
Sorri novamente, com maior prazer, descobertas e café são grandes estímulos.
Sente o cheiro da bebida, delicada e ao mesmo tempo, poderosa. Sorve mais um gole quente, o frio espanta-se fugitivo do calor que a bebida proporciona. A felicidade vestida em cheiros e sabores. Este é um gole demorado, está mais atento, satisfeito, sensível aos estímulos da vida e da cadeia.
Repentinamente, algo dentro de si desperta e sente-se invadir por uma alegria súbita e indescritível.
Sorri novamente, o sorriso dos justos, das pessoas felizes, daqueles que se flagram em paz consigo mesmo. A alegria transcende as questões de tempo e espaço, pensa. Pode a cadeia aprisionar nossos sonhos?
Pega a xícara fumegante e olha algo demorado para o céu, seus olhos brilham, o coração regozijado: “À Sua saúde, meu Pai!” E toma tranqüilo seu café quente na fria madrugada da cadeia.
A alegria, pensa, vive dentro da gente.... E toma um último gole com satisfação profunda!

7 comentários:

Hugo de Oliveira disse...

Sou apaixonado por café...nossa.

abraços


Hugo

lis disse...

Bonito texto,Gilberto.Adorei, muito bem elaborado.
"A alegria nao gosta do silêncio...", esconde-se qdo ele impera.
Depois, um cafézinho, sorvido quentinho, estimulante.
Nao sei porque demorei voltar aqui,preciso rever seus poemas rsrs
Abraços e uma semana inspirada pra voce.

Cris França disse...

Melhor que um cafézinho, só um cafezinho em boa companhia....rs beijoa meu amigo!

Anônimo disse...

Ah alegria vive dentro da gente. Grande verdade né amigo, mesmo quando ela sai para pegar um sol lá fora.
Bjs.

Vera (Deficiente Ciente) disse...

Gilberto,

Além de sábio é também um grande poeta! Suas poesias são envolventes!
Que seria de nós, pobres mortais, se não fossem os nossos sonhos. Sem eles não conseguirímos viver... E como você bem disse, ninguém poderá aprisioná-los.

abraços
Vera

Anônimo disse...

Nossa Gilberto amei teu Blog!!!!
De muitissimo bom gosto!!!!
Lindo, lindo, lindo...
Há tempos não me empolgo com algum blog!!!
bjokas!

Regina disse...

Gilberto, quando lemos você, entramos na emoção do momento como se estivéssemos, de fato, ali, presenciando, sentindo os acontecimentos...

Viajei agora na madrugada fria e silenciosa e me revigorei com o gole de café quente!

Os pequenos prazeres da vida é que fazem a diferença nestes momentos...

Beijos!