segunda-feira, 5 de outubro de 2009

QUANDO ESQUECER É IMPOSSIVEL...


Esqueça, simplesmente esqueça...

Ela disse isso com o olhar suplique, com a cabeça levemente inclinada, quase acreditando nas suas palavras, torcendo e querendo que seu pedido fosse aceito.

Esquecer... Esquecer... Como esquecer?


Ele se perguntou em silêncio... Como se esquecer fosse um exercício mecânico de desligar um botão mode on/off; como se esquecer fosse uma trouxa de memórias sujas que levássemos para lavar no tanque com muita água e sabão; como se esquecer fosse o tampo do grande recipiente de memórias que, ao ser retirado este lacre, deixava toda a recordação escorrer para fora de si próprio... Simples assim?

Não, esquecer não se faz dessa forma. Ele soube disso no primeiro momento. Esquecer é uma conquista, é uma odisséia, é obstinação. Esquecer é antes de tudo substituição! Tira-se uma porção ruim da gente, joga-se ela no baú invalido das coisas mortas do passado e, neste espaço, ocupam-se novas coisas, frescas com cheiro do dia, sempre boas, sentimentos cristalinos que alvejarão a soturnidade do sótão das lembranças.

Ela ficou ali, parada, na frente dele, o eco do pedido sendo um fantasma entre eles. Ele a olhá-la, sem maldades, sem desprezos, limpo de raiva e de ódio e, acreditava ele, ser isso uma grande qualidade que conquistara nos últimos tempos. Mas, esquecer.... Esquecer não conseguia... Pelo menos não assim, como ela queria, subitamente. Todos os machucados que lhe foram produzidos por ela ainda lhe eram doloridos e alguns nem cicatrizados estavam, o sangue dessas chagas produzirá uma nódoa difícil de ser retirada à primeira lavada.

Esquecer, seria para ele, um exercício lento, constante e diário. Seria um trabalho de força e boa vontade. Talvez conseguisse, talvez não. Esquecer não está somente na gente, pensou, depende do outro, mistura-se com o tempo. Esquecer é uma dádiva. Rezou pelo milagre...

Ele não deu resposta para si, para ela. Saiu e foi dar uma volta, sem rumo, desaparecer por um instante, mergulhar num vôo solitário dentro de si próprio e de seus pensamentos. Sabia, intimamente, que esquecer seria difícil, quase impossível. Sabia que deveria aprender a conviver com ela, sem a mágica liga do amor, aprender a conviver com recordações que, como aguilhões, fustigavam-lhe o coração.

Esquecer, não!
Conviver, sim!

Tentaria, contudo. Esquecer seria sempre sua busca, sua tentativa maior, sua queda, seu salto, seu pior momento, seu melhor instante, seu mantra e sua oração. Esquecer...

E, quando morresse, quando a ceifa cortante do anjo da morte podasse pela raiz a tudo e a todos, libertando o que é bom, o que é mau, desse plano estúpido e encantador, queria que Azrael entendesse que sua capacidade de perdoar desvencilhava-se de sua habilidade de esquecer.

Ele fora incapaz de esquecer...
... Mas, conviver, foi a forma que encontrou de perdoar...

3 comentários:

Anônimo disse...

Quem sabe um dia eu aprendo tb.
Bjs.

Cris França disse...

maravilhoso, divino mesmo! sempre pensei exatamente dessa forma sobre esquecer, ninguém esquece, apenas transcende. bjs

Ninha disse...

Conviver... essa também é minha denominação, essa é minha visão! Conviva com o que quer e com o que não pode lutar.