domingo, 15 de março de 2009

QUANDO A LIBERDADE CHEGA...



A mulher banhou-se toda, um shampoo vagabundo, um sabonete mais vagabundo ainda, esticou o braço e pegou em uma saliência da parede de concreto um vidro de perfume com gosto bastante duvidoso, passou-o com satisfação necessária.


O marido a observava deitado em seu catre, um sorriso amarelo pendurado nos lábios, um brilho esquisito nos olhos negros como a pele. Deu uma ultima olhada no corpo da esposa chamado de seu: as pernas finas de cambito, a pele branca feito neve, os cabelos ondulados aloirados artificialmente, a boca algo exageradamente pintada, suspirou de uma forma longa como se este suspiro fosse um excelente substituto para as lágrimas.


Do banheiro, de onde ela estava, vinha pequenos gemidos, uns ais sufocados por uma vontade de ser forte, a liberdade lhe chegava para todo o corpo, mas deixava ali, aprisionado naquele lugar, o coração. Partia, quando queria ficar.


Deu um abraço no marido, seus corpos se chocaram com furor, quase com violência. Seu pequeninos seios se espremeram no peito do amante. Os lábios colaram-se num beijo longo e demorado, a lágrima de um misturou-se com a lágrima de outro. Enquanto a porta se abria e o agente convidava para sair, fizeram todas as juras eternas que poderiam ser feitas naquele exíguo espaço de tempo.


Quando o grande portão se abriu e viu a rua, esqueceu momentaneamente seus amores e suas saudades. O vento fresco lhe assoprou nas faces convites que a muito a liberdade havia lhe esquecido de fazer. Pensou em tomar uma cerveja; um sorvete; ir ao Shopping; ir ao Parque; visitar uma velha amiga; escrever uma carta, não fazer nada... Talvez! Simplesmente, dormir por uma tarde inteira sem horário para acordar...


Chegou em casa e não houve grandes festividades para sua recepção. Um sorriso aqui, outro ali, seu antigo quarto já ocupado com quinquilharias. A vida continuou para toda a família enquanto seu destino fora posto em stand by. Dormiu em outro canto qualquer, um quarto que lhe foi emprestado com cara de poucos amigos. Acordou de noite, com o corpo tremendo, a boca seca, uma dor de cabeça danada, era o corpo reclamando da abstinência da droga, do sexo.
Comeu rapidamente e saiu para a rua.


Andou em qualquer parte e por todo o lado. Suava frio, as entranhas lhe corroíam, precisava de droga, precisava de dinheiro. Precisava de um para ter o outro, precisava do outro para ter o um. Viu uma casa escolhida a esmo, pulou o muro rapidamente, caiu no jardim, avançou pela penumbra, abriu uma janela e entrou furtivamente: uma televisão, um aparelho de som, dinheiro, qualquer coisa lhe serviria...


Escutou um barulho, do outro lado do recinto. Uma voz lhe ordenando para parar. Não, pensou, cadeia de novo não! Tirou a pequena faca presa à calcinha vermelha e avançou para a voz. Ouviu um trovão, sentiu um impacto na testa, sentiu-se jogada para trás, contra a parede, sentiu-se jogada para fora de seu corpo, a bainha da faca batendo em seu pênis provocando-lhe ainda mais dor. A voz aproximou-se, chegou perto e ela viu....ela viu.... a voz... a voz... foi a mesma voz que abriu a porta, de manhã, na cadeia, para ela ir embora... Que azar!!! Foi seu ultimo pensamento, escolherá a casa do polícia! Fechou os olhos moribundos e abraçou de vez a liberdade definitiva que lhe surgia em uma névoa com a face do marido preso...

2 comentários:

Regina disse...

História dramática!

Triste destino... ou seria, morte...

G I L B E R T O disse...

REgina

E, em grande parte, a história que serviu de mote para a crônica é verdadeira!

Lógico que adicionei as pitadas de lirismo e iventividade necessária para que, quando a realidade passasse para a literatura, tivesse o tom exato de dramaticidade que se precisa ter nesta esfera.

Mas, acredite, a história, em sua essência é verdadeira....

... triste, aterradora, dramatica, infeliz - porém, verdadeira!

Beijos em seu coração, minha linda amiga!