O rapaz levantou-se e foi à cozinha, absorto da vida, absorto de si mesmo, queria saciar a sede. Simples assim, tudo é muito simples (e oco!) para os absortos. Andava em silêncio, e no escuro, estava acostumado com a casa e seus espaços, e seus sons, e suas manias.
Foi quando ao passar pelo quarto da mãe, percebeu uns cochichos vindos lá de dentro, do interior da escuridão do quarto... Aquietou-se ainda mais e atiçou a visão na penumbra para acostuma-la às trevas. Junto a cama, viu o vulto de joelhos, as mãos espalmadas juntas, a cabeça erguida para o alto em nítida reverência. Quis falar alguma coisa, mas segurou-se por um instante... Era daqueles momentos que o silêncio fala mais que as palavras.
Então, tudo ficou muito claro. Talvez pela capacidade humana física de se adaptar aos diferentes ambientes e situações de desconforto sensorial; talvez, porque vivenciava uma epifania. Esqueçamos os “talvezes”, desprezemos os porquês, tudo isso é o bagaço do supra sumo do que importa – o fato é que via a mãe de joelhos, e ela estava rezando, ele a via, ele a ouvia...
... E, meu Deus! Cuide para que meu filho tenha sabedoria, paz e saúde! Obrigado por me ajudar e cuidar dele, meu Pai do céu. Amém!
O rapaz ficou ali, parado, uma lágrima, duas lágrimas, dez lágrimas rolando seu sentimento por sua face. Viu a mãe se levantar, erguer o cobertor, deixar-se cair suavemente para baixo dele, e adormecer no sono dos justos.
Ele, por sua vez, tomou sua água em silêncio e retornou para seu quarto. Lá chegando, genuflexionou, juntou as mãos desacostumadas às orações tão cerimoniosas e rezou como poucas vezes houvera rezado nessa vida. Não pediu para si, não pediu riquezas e nem que Deus o ajudasse no turbilhão de problemas que o fustigava, isso tudo pareceu muito pequeno nesse momento. Pediu sim, pela mãe, por sua felicidade e para que tudo de bom e feliz fosse derramado sobre ela sem medidas. Estava tão concentrado que não notou o vulto em pé ao lado da porta, nem mesmo ouviu quando ele se afastou para o quarto contíguo. Se sua atenção à reza houvesse sido algo menor, haveria de ter reparado a mãe que, preocupada consigo, virá vê-lo como estava e o flagrará em seu momento de adoração:
... E, meu Pai Celestial, cuida de minha mãe, dê-lhe sabedoria, paz, saúde e felicidade, sim! Amém!!
A mãe voltou para seu quarto e deitou-se na sua cama, em seu rosto via-se cravejado dezenas de lágrimas, e ela dormiu assim, entre orações e o choro de alegria.
Ela não percebeu, mas na porta de seu quarto, um lindo querubim segurava um grande livro e uma pena celestial, e sorrindo escrevia mais um nome de mãe no grande Livro da Vida...