A mulher terminou de pintar-se, uma maquiagem algo carregada para não dizer exagerada. Olhou-se no espelho e a face que viu pareceu-lhe não ser a sua, quer pelas cores expressivas, quer pela peruca com cabelos de outra cor, quer mesmo pela própria vontade de se arrancar daquele corpo. Tomou um gole de água, experimentou o doce toque suave do líquido fresco que escorregou devagar garganta abaixo, o alento momentâneo lhe deu prazer. Fechou a janela, impedindo a brisa e a noite de se mostrarem. Ficou com a luz artificial, no quarto artificial; ficou com a vida artificial, pensou consigo mesma e com sua lingerie cara.
Toc... Toc... Toc... a porta avisa-lhe que a vida continua. Respira fundo, fundo, muito fundo, como se todo o ar do quarto não fosse suficiente para lhe devolver o fôlego. Abre a porta vagabunda de madeira ainda mais vagabunda. Surge um homem vagabundo, com um sorriso para lá de cafajeste. Seu cheiro é de colônia barata, dessas que se compram em bancas de rodoviária. Seu cabelo vem carregado de uma pasta que poderia ser brilhantina - “Deus!” Ela pensa, “será que alguém ainda tem coragem de usar brilhantina?” Sua camisa entreaberta propositadamente sugere uma sensualidade masculina que lhe é impossível de ser conferida. Um tórax farto de pêlos pixains oferecem-se aos seus olhos, ela segura o riso disfarçando-o com um gesto sensual.
Os olhos dele perseguem sua mão, e ela conduz seus olhos e seus instintos de macho no cio para onde quer. Mais um tolo, mais um desprezível cretino, ela pensa.
Ele fala qualquer coisa, poderia ser uma gentileza banal qualquer. Não escuta, nada lhe importa.
Ele derruba várias notas sobre um móvel antigo. Suas roupas caem rapidamente, a pressa para homens deste naipe é a essência da perfeição. Ela também fica nua, toda sua beleza transparece. Os olhos dele brilham intensamente, sua respiração ofegante denuncia seu estado de excitação. Deitam-se, cama com lençóis de cetim, espelhos no teto, no chão um felpudo tapete. Artifícios para acariciar corpos, para enganar os olhos, mas, ela pensa, como enganar o coração?
No momento de prazer dele, ela grita, tão alto quanto pode. O corpo dele vibra intensamente, depois, retesa-se por alguns instantes, e cai por sobre o dela, definitivamente, descansando sua saciez. Ele se levanta, toma um banho rápido; depois, para se mostrar gentil e generoso, coloca mais duas notas enroladas num sorriso patife encima das outras. Vai-se embora como veio...
Ela abre a janela, a brisa entra, assim como a noite. Joga-se na cama depois de um banho muito, muito demorado. Ela apaga as luzes artificiais e se deixa banhar de lua, a natureza toca todo o seu belo corpo. Abre seu coração e faz amor agora, faz amor com uma lembrança...
4 comentários:
Neste caso, a lembrança deve ser sua única companhia verdadeira...
Oi meu querido,
quando é que sai o livro mesmo?!!!
Bjs.
Fazr amor consigo e com suas lembrançasmais puras e mais sinceras.
Lindo demais tudo aqui
volto
Denise
Fazer amor nesses momentos de lembrança... seria então o extase do prazer.. seria a realização surreal dos desejos mais secretos???
Saudades meu doce amigo...
beijinhos poeticos.
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