Quando a vi pela primeira vez, suspirei fundo. Não entendi de antemão o que significava aquele suspiro. Somos tolos o bastante para ficarmos questionando os porquês dos momentos, em vez de nos entregarmos simplesmente ao frenesi de vivenciá-los em sua plenitude. Eu fiz isso. E ainda hoje, mesmo após tantas imolações que fiz no altar desse sentimento, martirizo-me pela minha ignorância. O que faço é fechar os olhos e deixar meu espírito viajar as estrelas, o lugar onde o espaço é nada e o tempo é tudo. De alguma forma, nesses instantes de completa introspecção, ressuscito aquele momento e posso então, liberto da estupidez e da covardia originais, vivenciar o maior de todos os momentos na vida de um homem, aquele instante glorioso e sublime onde homem e amor encontram-se, fazendo-se únicos, vislumbrando uma mulher em toda a sua essência.
Eu suspiro fundo novamente.
Eu caio. Caio por um abismo, sem gritos, sem terror, sem tentativas desesperadas de me agarrar as paredes desse sentimento sem fundo. Dou um sorriso que reflete minha alma. Meu coração bate forte, melodia do amor. Não abro meus olhos, desnecessário, vejo tudo muito claramente agora. Sem amor somos cegos e vadios. Com amor vemos a felicidade e além dela, ganhamos nobreza.
Necessitamos tanto de nobreza.
Esta faculdade está esquecida neste mundo feito de alegrias falsas, de ambições vorazes, de escolhas insensatas.
Eu necessito tanto de nobreza. Tive minha parcela de felicidades pagãs e escolhas malditas. Ah! Malditas, malditas escolhas àquelas as quais fiz!
Insisto em manter os olhos fechados, ainda que essa lágrima fugitiva de minha vergonha queime meu rosto. Alguém me disse que arrependimento me redimiria de minhas escolhas, me traria a nobreza perdida. É verdade, de alguma forma experimentei essa condição de poder olhar o mundo, de novo, olho no olho, sem que meu rosto corasse, ou minha culpa sangrasse novamente. É muito bom você poder enxergar seu sorriso brilhando no espelho da retina de outra pessoa. Contudo, apesar destas verdades que não desprezo, louvo-as até, fica-me uma certeza de que a nobreza verdadeira, aquela cristalina de grandes brilhos, somente se conhece com o advento do amor.
Porque o amor estende a mão e levanta todos os que caíram, o amor perdoa e purifica nossa alma. O que se quebrou, ele conserta. Endireita os que se desviaram é bússola para um futuro cheio de novas possibilidades transparentes.
O amor enobrece. O amor me enobreceu.
Abro os olhos agora. Posso ver a vida novamente. Levanto-me desta viagem para dentro de mim mesmo. Não tenho mais pecados. Não tenho mais vergonha. O amor me perdoou.
Suspiro fundo pela milésima vez ao ver o rosto do amor, o rosto lindo de minha amada!
Madrugada de 09/02/2006, às 4.45 horas
Ilustração: Van Gogh, 1887, quadro”Woman Nude Reclining”
Nenhum comentário:
Postar um comentário