Andava pela rua absorto da vida, os pensamentos desligados, os sentimentos em estranha letargia, MP3 no ouvido tocando R.E.M.. Foi, quando de uma curva da esquina ele surgiu, os cabelos bastante ralos, a barba espessa, pedalando com algum vigor. Ele me olhou por um instante, e seu olhar não demonstrou o brilho do reconhecimento. Viu-me como se visse um qualquer, um transeunte, alguém dessa multidão de pessoas que atravessam nosso caminho um dia e desaparecem no tempo, na distância e de nossa lembrança. Apenas mais um para não ser lembrado, sem importância...
Lembrei-me dele. Quando numa época distante encontrávamo-nos em uma locadora de filmes e por alguns momentos, discorríamos sobre clássicos, sobretudo acerca Hitchcock que sempre fora nosso preferido. O debate girava em torno da qualidade dos roteiros, da tecnicidade presente em seus filmes, em como todos os clássicos tinham mais inteligência em sua confecção do que os filmes atuais, que se preocupam mais com fotografia, efeitos especiais e trilha sonora. Não raro, havia dias que o assunto adentrava a seara da literatura, e aí, entravam neste palco Dostoievsky, Flaubert, Tolkien, entre tantos outros.
Chamava-me a atenção sua inteligência ligeira e audaz, que se aliava a uma opinião corajosa e sempre transparente. Isto o transformava num ser polêmico e, pelo que sabia, não tinha muitos amigos. A inteligência, dependendo o lugar geográfico onde ela brota, condena a pessoa ao ostracismo social, à solidão. Ele era um desses párias, amaldiçoado com uma perspicácia rara, vivia trafegando pelas ruas em sua bicicleta, arrastando uma astúcia preciosa que o transformava num fantasma para todos os outros. Aprendi a admirá-lo e sei, intimamente, que ele a mim.
Mas, isso passou, como todas as coisas passam um dia na vida. Eu parti, ele se foi, a vida se fez diferente para nós dois. E, neste dia, quando de assalto, o abordei, as memórias vieram a mim e fiquei feliz por vê-lo. Sinceramente, não sei se ele me reconheceu e se o fez, não entenderei jamais o motivo pelo qual não me cumprimentou. Talvez, estivesse com pressa, entediado, cansado, com fome, enfim, são uma centena de motivos que poderiam explicar o seu olhar indiferente para mim, sem que nenhum o justificasse com virtude. Nada disso importa, eu perdôo esse homem que ele se tornou quando o comparo com o colega que ele me foi um dia. Sob esta interseção da memória, consigo nesse rápido julgamento, defendê-lo de todas as acusações que sua atitude pouca educada deixou-me latente.
Mas, a verdade é que ele enveredou pelo tenebroso caminho das drogas e, provavelmente, muitos daqueles fantásticos neurônios que possuía morreram sufocados pela fumaça dos muitos baseados que deve ter fumado. Soube disso, por intermédio de um colega comum, que um dia o apontou como um cara inteligente e esquisito; e, hoje, lança seu dedo para defini-lo como um “noiado”.
Não me permito quaisquer considerações sobre o caminho que o colega tomou. As pessoas são o que são e, às vezes, determinadas situações nos leva para caminhos que nunca desejávamos para nós mesmos. Todos somos fracos. Todos somos fortes. Depende a situação que se nos apresenta e em como as contingências nos encontra. Preferia, na verdade, que este meu colega tivesse sido menos inteligente e muito mais sábio. Certamente, o que a sua maravilhosa inteligência não o conseguiu libertar, a sabedoria, ainda que em pequenas doses, o livraria. A sabedoria ainda é o mais belo entre todos os caminhos!
Foto: www.olhares.com
Lembrei-me dele. Quando numa época distante encontrávamo-nos em uma locadora de filmes e por alguns momentos, discorríamos sobre clássicos, sobretudo acerca Hitchcock que sempre fora nosso preferido. O debate girava em torno da qualidade dos roteiros, da tecnicidade presente em seus filmes, em como todos os clássicos tinham mais inteligência em sua confecção do que os filmes atuais, que se preocupam mais com fotografia, efeitos especiais e trilha sonora. Não raro, havia dias que o assunto adentrava a seara da literatura, e aí, entravam neste palco Dostoievsky, Flaubert, Tolkien, entre tantos outros.
Chamava-me a atenção sua inteligência ligeira e audaz, que se aliava a uma opinião corajosa e sempre transparente. Isto o transformava num ser polêmico e, pelo que sabia, não tinha muitos amigos. A inteligência, dependendo o lugar geográfico onde ela brota, condena a pessoa ao ostracismo social, à solidão. Ele era um desses párias, amaldiçoado com uma perspicácia rara, vivia trafegando pelas ruas em sua bicicleta, arrastando uma astúcia preciosa que o transformava num fantasma para todos os outros. Aprendi a admirá-lo e sei, intimamente, que ele a mim.
Mas, isso passou, como todas as coisas passam um dia na vida. Eu parti, ele se foi, a vida se fez diferente para nós dois. E, neste dia, quando de assalto, o abordei, as memórias vieram a mim e fiquei feliz por vê-lo. Sinceramente, não sei se ele me reconheceu e se o fez, não entenderei jamais o motivo pelo qual não me cumprimentou. Talvez, estivesse com pressa, entediado, cansado, com fome, enfim, são uma centena de motivos que poderiam explicar o seu olhar indiferente para mim, sem que nenhum o justificasse com virtude. Nada disso importa, eu perdôo esse homem que ele se tornou quando o comparo com o colega que ele me foi um dia. Sob esta interseção da memória, consigo nesse rápido julgamento, defendê-lo de todas as acusações que sua atitude pouca educada deixou-me latente.
Mas, a verdade é que ele enveredou pelo tenebroso caminho das drogas e, provavelmente, muitos daqueles fantásticos neurônios que possuía morreram sufocados pela fumaça dos muitos baseados que deve ter fumado. Soube disso, por intermédio de um colega comum, que um dia o apontou como um cara inteligente e esquisito; e, hoje, lança seu dedo para defini-lo como um “noiado”.
Não me permito quaisquer considerações sobre o caminho que o colega tomou. As pessoas são o que são e, às vezes, determinadas situações nos leva para caminhos que nunca desejávamos para nós mesmos. Todos somos fracos. Todos somos fortes. Depende a situação que se nos apresenta e em como as contingências nos encontra. Preferia, na verdade, que este meu colega tivesse sido menos inteligente e muito mais sábio. Certamente, o que a sua maravilhosa inteligência não o conseguiu libertar, a sabedoria, ainda que em pequenas doses, o livraria. A sabedoria ainda é o mais belo entre todos os caminhos!
Foto: www.olhares.com
2 comentários:
Caro amigo, é sempre triste ver pessoas que tanto estimamos (ou não) se enveredarem pelo mundo das drogas...
Acho que inteligência abrange vários setores... podemos ser extremamente inteligentes em algumas áreas, mas completamente ignorantes em outras... Nunca podemos ser “totalmente” inteligentes... E, ao meu ver, este seu amigo não possuía a principal inteligência de todas: a inteligência emocional... que é crucial quando passamos por alguma dificuldade para lidarmos com os questionamentos que fazemos acerca da vida...
Sem dúvida que a sabedoria é mestra, pena que só conseguimos adquiri-la, geralmente, após muitas experiências e quando chega a maturidade...
Quem sabe este seu amigo necessite passar por essa experiência (trágica, por sinal) para chegar à verdadeira sabedoria...
Desejo que se recupere...
E a este meu amigo, deixo um grande beijo, cheio de admiração...
Saudades de um amigo que anda sumido!!
Voltei para desejar um excelente fim de semana!!
Espero que esteja tudo bem contigo...
Delicados beijos em seu coração...
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