terça-feira, 15 de dezembro de 2009

CREPÚSCULOS

Todas as tardes o casal de idosos sentava-se à frente de sua casa, em duas velhas cadeiras de fio, sem maiores propósitos, para olhar o preguiçoso cair da tarde, a lenta chegada da noite e as pessoas que iam e vinham dos mais diferentes destinos.

Eu passava apressado com os pensamentos sobrecarregados com as preocupações do cotidiano. Sempre os cumprimentava, um aceno de mão, um meneio com a cabeça, e seus olhos e seus sorrisos devolviam-me saudações afetivas e silenciosas.

Pareceu-me que, para eles, estar ali era um ritual dos seus fins de tarde. Entendi que o interesse deles não se fixava nos transeuntes, quem vem, quem vai, com quem vem, com quem vai, estas coisas pequenas que inebria parcela da população - essa parcela que vê na vida do outro mais atrativos que na sua própria. 

Oh! Estar ali para eles transcendia a isso. Gostavam era de ver o cair da tarde, o sol se escondendo no horizonte trocando de cores de uma forma mágica: O amarelo meio dia se alaranjando para as cinco horas até vestir-se do rubro ocaso das seis horas.

Ficavam ali em silêncio, sentindo a brisa fresca vespertina que sussurravam poesias esquecidas no vento e captavam desses segredos inspirações diversas para a vida e para todas as coisas.

Ficavam ali até que a lua surgia tímida e pálida e, com o avançar das horas, entusiasmava-se e ganhava formas e aparência singular mostrando-se desinibida.

Algumas pessoas chegam ao final de suas vidas melancólicas e rancorosas e passam a refletir nos outros frustrações que são unicamente suas. O casal de idosos não é assim! Todas as coisas parecem resolvidas para eles, não possuem frustrações em suas existências, viveram do jeito que quiseram ter vivido, e, vivem agora do jeito que querem viver, não lhes interessa o que os outros fazem, eles sabem que somos todos livres e cada qual pagará o preço de suas escolhas.

Tudo o que eles querem agora é viver intensamente uma alvorada, um crepúsculo, um cantar de pássaros, sentir a beleza de uma flor, sorrir para a chegada pacífica da noite. Eles estão no fim e, no fim, estas coisas ganham uma notoriedade estranha à juventude.

De repente, vejo-me longe deles, meus passos conduzem-me para um caminho alheio ao do velho casal. No entanto, eles ensinaram-me algo e este algo me torna melhor. Fecho os olhos, sinto a brisa beijar meu rosto e escuto seus segredos e sua poesia – delicio-me com esta caricia gratuita.

Olho, olho para o sol que se põe, o crepúsculo é lindo e mágico. Eu fico tão pequeno diante disso tudo, os problemas ficam tão pequenos diante disso tudo. O casal fica para trás, perdidos nel mezzo del cammim, mas eu sigo com eles... Fica-me a certeza plena que, no sentimento, agora e doravante, seremos iguais!!!

sábado, 12 de dezembro de 2009

E POR QUERER-TE TANTO ASSIM...


Meu amor, minha vida,
Não espero muito de ti.
Não quero que espere mais de mim.
Que façamos um pacto então...
Pois nossas expectativas estão nos estragando...


Sejamos no alvorada, como anjos!
Sejamos no crepúsculo, dois demônios:
incubo, súcubo,
Que não conhecem quaisquer regras,
Que não possuem quaisquer outros desejos,
Que não seja buscar uma nova forma de amar!


E, se assim estivermos combinados,
Oscule meus lábios demoradamente.
Tomarei sua mão com carinho.
Tocarei seu coração com sentimento.
E no ocaso, sem acasos,
Tomarei seu corpo com volúpia.
Invadirei você com sofreguidão.
Conhecerás o melhor de mim!
Conhecerás o pior de mim!
Amor e ódio, pura energia, penetrando sua feminilidade!
Amor e ódio misturando-se sem fim!
Amor a mim por saber amar-te tanto assim...
Ódio a mim por só ter um coração para querer-te enfim...

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

BRAVO NOVO MUNDO

O guri colou o rostinho na janela e ficou olhando para dentro como se visse um admirável mundo novo.
Lá dentro, o profissional trabalhava atento em seu ofício.
Olhou para o lado, viu o guri.
O guri olhou para ele, sorriu, fez um sinal de positivo.

Ele ficou olhando para aquele rostinho inocente – a inocência, pensou, é uma qualidade humana que jamais cresce, ela vive na Terra do Nunca, ela não conhece a fase adulta. A inocência nasce com a infância e perece com ela, num dia qualquer, quando o tempo e o destino decretam a chegada da adolescência, a porta de entrada da fase adulta no homem.

O guri não disse nada, somente ficou ali entretido em suas picardias, embalando-se por gestos juvenis – a imaginação de uma criança é sempre algo mágico.

Acontece que o guri estava à porta da cadeia, dia de visitas de crianças e, breve, entraria para ver o pai, preso e bandido.

Oh! Que doce filtro é a inocência, pensou o homem.

O guri não via a cadeia, não via o bandido nem o preso, para ele havia somente o pai, pai que logo iria ver e isso merecia sorrisos e sinais de positivo distribuídos à revelia, mesmo que para estranhos.

Daí a pouco, surgiu a mãe e o catou pelo braço, deu-lhe uma bronca mal educada e em uma atitude truculenta saiu arrastando o guri.

O pequeno partiu, arrastado pela mãe, sem entender muita coisa, acatando essa autoridade grosseira. O homem ainda pode ver quando seu rostinho pueril voltou-se para trás e com o braço solto, ergueu-o e despejou um novo sinal de positivo. Ele, por sua vez, retribuiu o sorriso e o positivo querendo e torcendo para que o tempo e o destino prolongassem a inocência naquele corpo infantil. Porque um dia, ele sabia, o guri acordaria numa manhã qualquer, igual a tantas outras na aparência, mas, ao se levantar e encarar a vida, veria tudo diferente do que sempre lhe foi.

A cadeia seria para si cadeia.
O pai seria um preso e um bandido.

E suas necessidades seriam outras e lhe impulsionariam para um novo estágio em sua existência!
Quiçá, pensou o agente, que as novas expectativas não o levassem para estradas outras cujos caminhos o trouxessem às portas da cadeia, torceu e rezou para que isso não acontecesse. Quando a inocência se vai e chega a realidade nua e crua, é necessário uma série de valores e qualidades no caráter humano que somente um bom berço e educação proporcionam para ocupar o lugar da ingenuidade que se afasta.

Um amigo carrancudo e estressado com o trabalho árduo passa à porta de sua sala, para por um momento. Ele olha para o colega sombrio, dentro de seus olhos, profundo, longamente, solta um sorriso franco e generoso e descarrega um positivo. O colega fica surpreso e se afasta sem nada dizer. Sente dentro de si, um lampejo de inocência remexer-se dentro de si. O guri desapareceu nas entranhas da quimera, mas deixou consigo um pouco de sua inocência...



Ilustração escolhida a esmo na internet, não identificado autoria.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

CAÇADORA DE BORBOLETAS




Não perguntes jamais onde estou.
Esta é a pergunta que jamais deverá ser feita.
Aliás, no que tange a mim (e a você)
Não queria perguntas ou indagações.
A incógnita já é uma argamassa da vida
E não quero edificar nosso relacionamento
Tendo como viga mestre um ponto de interrogação.
Não corras atrás de mim,
Como se fosse uma caçadora de borboletas,
Reduzindo-me a condição mesquinha de tua presa.
Sejas você, unicamente,
Sejas jardim,
Os jardins não vão até as borboletas,
As borboletas é que voam até os jardins!
Atraídas,
Capturadas,
Não por redes ou armadilhas,
Mas pelo seu encanto natural.
É isto tudo o que quero contigo,
Não quero ser aprisionado,
Nem fazer do estar junto contigo
Um estado de compromisso.
Quero estar contigo pelo prazer de estar,
Sendo o estar junto algo tão natural
Como o vôo das borboletas para os jardins,
Sendo o estar junto algo tão natural,
Que nem mesmo é uma decisão minha
- ou mesmo tua! –
É uma decisão da nossa natureza.


Não perguntes então onde estou...
Para todos é uma pergunta vazia,
Tola e despretensiosa.
Para mim não...
Machuca-me!
Ela mostra-me tua incapacidade de ver
O único lugar nesse mundo
Que eu gosto e quero estar:


- Dentro do jardim que é o teu coração!


Ilustração: Óleo sobre tela, Quadro Caçadora de Borboletas (1904), de PEDRO WEINGÄRTNER

domingo, 6 de dezembro de 2009

VALQUÍRIAS


Minha visão está turva.
Sinto a cabeça rodar maluca.
Na minha boca sinto um grito estranho e vermelho,
Minha pele queima e não há fogo.
Pergunto-me de minhas pernas.
O vento que me toca não traz alento.
Meu coração tímido é quase inaudível.
Ouço uma voz aveludada me chamando,
Possantes cascos de cavalos ribombam pelas nuvens...

(Então é assim que nascem os trovões?)

A voz se aproxima mais e mais,
A Valquíria vem me buscar...
Vejo seus cabelos negros e abundantes
Caírem sobre seus ombros,
As pernas longas e torneadas,
Os seios redondos e fartos,
Como és linda tu, Valquíria! Como és linda!
Ela estende-me a mão e levanta-me.
Não há mais dor, não há mais medo.
Monto na anca de seu alado cavalo branco e partimos.
Das nuvens te vejo...
Num delírio de morte, grito seu nome.
E abraçado a Valquíria sigo para Valhalla...

... Sem que você me ouça!




VALQUÍRIA: Na mitologia nórdica, as valquírias eram deidades menores, servas de Odin. As valquírias eram belas jovens mulheres louras de olhos azuis, que montadas em cavalos alados e armadas com elmos e lanças, sobrevoavam os campos de batalha escolhendo quais guerreiros, os mais bravos, recém-abatidos entrariam no Valhala. Elas o faziam por ordem e benefício de Odin, que precisava de muitos guerreiros corajosos para a batalha vindoura do Ragnarok. (Wikipédia)

VALHALA: na mitologia nórdica ou escandinava é o local onde os guerreiros vikings eram recebidos após terem morrido, com honra, em batalha. (Wikipédia)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

ACORDE, MEU AMOR!



Meu bem acorde,
Eu cheguei agora...
No vento!
Vim com as folhas,
No sopro da noite.
Sinta a brisa enlaçar
Seu corpinho quente
E delgado,
Sou eu meu bem!
Sou eu a te abraçar
No vento!
O sol ainda não saiu,
Ainda há estrelas no céu.
Venha comigo meu bem,
Vou te levar ao céu,
Num vôo com o vento.

Meu bem acorde!
Eu cheguei agora...
(louco de amor!)
No vento!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

EM BUSCA DO TEXTO ABENÇOADO



Procurava o texto como se buscasse o ultimo fôlego,
Aquele golpe de ar que lhe restituiria a vida,
Que lhe encheria os pulmões desta doce atmosfera que nos impulsiona,
Que lhe entupiria os dias todos com novas possibilidades.
A vida abre novas alternativas sempre...
Mas nunca são fáceis estes textos, eles são únicos e soberanos, são arredios e selvagens, não se domesticam.
Todos os grandes autores já tiveram um encontro com eles,
Um raro e fortuito encontro,
E suas vidas ficaram marcadas com o signo da posteridade.
Um texto assim é divino, cheio de bênçãos.
Não o se colhe em um jardim como se fosse uma rosa.
Nem o se compra a preço algum.
Estes textos são dedicados aos amantes das letras e poesias,
Oferecidos para aqueles que se tornaram merecedores pela sua própria sensibilidade,
Pela sua capacidade de ver e ler a vida sob o filtro da poesia.
Caiu de joelho, então, e rezou.
Não pediu ouro, nem pedras preciosas.
Não pediu títulos de nobreza ou poder incomensurável.
Pediu para saber enxergar a poesia ao seu redor,
Pediu unicamente um texto.
Um texto que a exaltasse, a comemorasse, que fizesse dela uma mortal um anjo, e que aos céus a ascendesse.
Um texto que desmascarasse todas as belezas de seu coração
E mostrasse a todos o jardim de virtudes que ele enxergava nela.
Um texto que a eternizasse,
Que falasse de amor e a amasse,
Um texto cuja leitura fosse o eco das batidas de seu coração.
Pegou papel, caneta, suspirou profundamente.
Escreveu o nome dela e seu nome fulgurou-se.
Escreveu enfim, não palavras, que eram poucas e tolas...
Escreveu seus sentimentos.
Sabia antes mesmo de tudo, que o texto abençoado ainda não lhe fora agraciado,
Entretanto, ao entregar o texto para sua amada,
Ela o leu carinhosamente, chorou, beijou-lhe e entregou-se para ele de uma forma delicada, poética.
Estava feliz mesmo assim...
Saberia esperar pelo texto definitivo à sua amada!