domingo, 5 de agosto de 2012

E, NO TERCEIRO DIA...


Ela apareceu um dia qualquer, em um destes dias enfiados na normalidade das semanas.
A mulher estava lá, entretida com seus afazeres, quando escutou da frente da casa um ganir diferente, um lamento num acorde tão especifico e tão sentimental que foi direto ao seu coração.
Quando a música do amor toca, ninguém consegue ficar impassível diante dela.
Cessou suas coisas, interrompeu sua vida e foi verificar o que acontecia.
A cachorra estava lá, sofrida, machucada, esfomeada, mal cuidada.
A mulher olhou para o animal.
O animal olhou para a mulher.
E num passe desses de magia pura, algo que não se pode explicar, o encantamento se fez entre elas e nelas.
A cadela gostou da mulher.
A mulher gostou da cadela.
E a vida de ambas estava entrelaçada para sempre.
A mulher lhe deu casa, comida, cuidados veterinários, lhe deu um endereço, uma família e uma possibilidade.
A cachorra lhe deu a única coisa que tinha, amor!
E, aquele dia normal, cinza, que estava condenado a pertencer ao mosaico de dias comuns de suas vidas, num repente, se fez especial e seria lembrado dentro da eternidade, ainda que a eternidade para a história delas, antecipa-se, fosse durar apenas três dias.
A cachorra movida por uma gratidão que se desprendia de seu coração, enroscou-se nas pernas da mulher, lambeu, acarinhou, latiu e parecia que queria transmitir para ela, com toda a força de seu ser, que lhe era grata, que já a amava.
E a mulher acariciou o animal, sorridente, feliz!
Para quem sabe amar de verdade, não existe a necessidade de protocolos ou gratificações, amar já é a maior recompensa.
Ela foi apresentada para a família, foi aceita, e num milagre a cachorra que sempre fora desprezada pelo mundo era amada e fazia parte de algo belo e honrado.
Naquela primeira noite, foi a primeira vez que a cadela dormiu sob um teto que pode chamar de lar.
Mas, o destino cobra tudo e a todos, e a primeira existência da cachorra houvera sido muito sofrida e seu corpo chegou até aquele instante deverás magoado.
As vezes, o amor e toda a sua gama variada de sentimentos bons que ele traz junto consigo é insuficiente para apagar as sequelas de um corpo torturado.
Mas, o amor nunca fracassa ao tratar as chagas do coração. 
Assim foi com Chiquinha, o nome pelo qual chamaram a cachorra.
Um dia, quando fazia compras, a mulher foi abordada pelo amigo da família que lhe avisou: Chiquinha morreu!
Tem gente que sofre e se mata por perder dinheiro e bens materiais; outros choram pelo carro acidentado; e, alguns por não ter conseguido o aumento salarial esperado.
Mas, o choro mais digno é aquele cujas lagrimas desgarram do amor.
O amor pela paixão de uma vida, pela mãe e pelo pai, por um amigo, pelo animal de estimação que compartilhou horas agradáveis e importantes da vida.
O choro na mulher veio de uma forma singela, com a mesma naturalidade que o amor houvera nascido dias antes entre elas.
E este era o terceiro dia, e foi dentro dele que Chiquinha partiu...

... porque ainda que no fim, ela conheceu a felicidade!

Um comentário:

Urbano Gonçalo de Oliveira disse...

Bela história amigo.
Conheço bem essa dor!!
Abraço.