segunda-feira, 8 de setembro de 2008

UMA BEBIDA AO OCASO


Chegava sempre aos finais das tardes, à sombra do crepúsculo. Entrava, tirava seu velho e inseparável chapéu, colocava-o a um lado do balcão, sentava-se sobre um banco e pedia uma bebida gelada. Servia-o e ele sorvia-se de um gole; o primeiro, sempre rapidamente, como se sua vida dependesse disso e deixava escapar uma feição de intenso prazer. Feito este pequeno ritual ia bebendo devagar, prazerosamente, o olhar distante, o pensamento distante, a concentração distante. Seu silêncio era pesado, nada parecia importuná-lo naquele seu instante, era como se recompensasse a si próprio pelo dia de trabalho, pela vida de trabalho, dando-se uma bebida gelada e solitária, sempre aos finais das tardes.
Algumas vezes, raras vezes, puxava uma conversa. Isso era muito eventual e, quando acontecia, trazia do baú da memória um velho causo, uma lembrança antiga surgida num relâmpago, originada de um fato qualquer despercebido que o tocava e resgatava a reminiscência. Nesses momentos, falava olhando para o copo, para a garrafa suada sobre o balcão. Contudo, percebia-se seu olhar além do copo, além da garrafa. Parecia estar em outro lugar, talvez outra dimensão, onde buscava os fatos até então esquecidos, um lugar onde suas histórias não morriam e que, no momento, reviviam em suas palavras ganhando formas novamente.
Ele não gostava de ser interrompido, e eu sabia disso. Mantinha, por minha vez, um silêncio solene e compenetrado e ouvia-o. Jamais poderia dizer ser esta uma tarefa cansativa. Para nós: para mim, para ele, era um hábito extremamente arraigado. Fazia parte da gente, como fazíamos parte dele (do momento). Ouvia-o então, como se ouvisse um pai, um mestre. Jamais poderia considerar fadigosas suas palavras emotivas, suas histórias introspectivas, suas buscas por outros caminhos que poderia ter tomado na sua vida. Nas raras vezes em que quebrava seu silêncio; sua fala era-me como uma lição, e em devoção, ouvia-o.
Quando terminava o conteúdo da garrafa; terminava o seu ritual, nosso ritual. Pagava a bebida, tomava nas mãos o velho chapéu e o ajeitava na cabeça. Agradecia numa breve palavra ou com um gesto, um aceno, e partia de maneira tão lenta e resoluta quanto chegara. Para ele, havia-se decretado o fim de seu dia. Nada mais a fazer. Nada mais a dizer. Somente descansar no aguardo de um novo dia que nascesse em sua vida; até o dia, derradeiro dia em que nada mais lhe restasse a fazer.... Que senão.... Fechar os olhos e calar todas as histórias e esquecer todas as garrafas fechadas....

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