segunda-feira, 28 de maio de 2007

NOITES NA CADEIA

A noite é tão delicada na cadeia.
O silêncio, quando silêncio, é mais silêncio.
Seus sons são mais audíveis, sentidos, aguardados.
A noite é realmente mais delicada na cadeia.
Uma ducha demorada.
O pigarrear de uma garganta cansada.
Um espirro. Outro espirro.
Um rato que sobe as grades.
Dois ratos que sobem as grades.
O lento ato de fumar um cigarro, a oração da beata[1] que os santos não ouvem.
Tudo é mais escutado, sentido, com um furor que beira a idolatria.
A noite é tão delicada na cadeia.
É quando todas as suas quimeras estão adormecidas, todos os males estão entorpecidos. Desse desajeitado esquecimento da balbúrdia e do caos, da hibernação de seus demônios é que nascem estas noites tão delicadas na cadeia.
Foi numa dessas noites que aprendi que não existem anjos ou demônios, estes seres extraordinários, na cadeia. Estes estão lá fora, no universo real, cuidando ou atazanando a vida dos mortais.
Nesta dimensão alternativa, onde vagam sem perspectivas imediatas almas desalentadas, fantasmas instantâneos há arrastarem suas correntes pelos corredores desses cotidianos desesperadamente iguais, o maior de todos os anjos é o homem; e não existe demônio mais terrível que o próprio homem.
Ainda assim, em meio a esta guerra não declarada, ainda nascem noites delicadas na cadeia...


[1] Pequena porção de maconha (cannabis sativa linneu).

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Brrrrrr! ou a noite de amor dos quero-queros!

Fez tanto frio nessa madrugada....brrrr!!...parecia que estava dentro de um congelador. Até mesmo os quero-queros que sempre estão fazendo uma algazarra danada, nesta noite de freezer, pareciam nada querer. Olhei para dois deles que estavam a um canto qualquer, provavelmente um casal querendo encetar namoro. Percebi isso....e me animei! Pensei! Belo papel o meu, vou ficar numa de “voyeur” de quero-quero e, assim, as coisas esquentam um bocadinho. Pensamentos poucos nobres, admito, mas vá pensar em nobrezas baratas com a temperatura perto do zero grau. Alguns pecados como este, nesta temperatura, são permitidos(!?). Brrrrr.....
O quero-quero macho (será que assim o chamam?) dava uns olhares lânguidos para a quero-quero fêmea(?) – os olhares não congelam, primeira premissa. Ela, realmente, tentava retribuir, mas retraídas como estavam suas penas não davam qualquer chance para o amor – o amor dos quero-queros, eis a segunda lição, precisa de algum espaço.
Fique este texto como documento, se algo acontecer a população mundial de quero-queros, esta noite onde tudo se congelou (inclusive a vontade de amar das quero-queros fêmeas!) contribuiu significativamente para a extinção desta espécie. Fiquemos atentos....
De repente, cansado de tantas sugestões masculinas sem quaisquer retribuições femininas, já com as pestanas (?) cansadas de atirar olhares lânguidos e concupiscentes, o quero-quero macho sumiu, tão repentinamente que nem sei se foi voando....duvido, não se voa encolhido como estava. Deve ter desabalado em fragorosa carreira, tentando espantar o frio, tentando encontrar uma fêmea mais assanhada que o frio. Por sua vez, a fêmea desiludida, cavucou um canto qualquer para encolher-se ainda mais, escondendo o frio e as suas frustrações amorosas. A noite poderia ter sido bela (e algo assanhada!) para os quero-queros, mas amor e frio congelante, pensava em sua cabecinha de quero-quero, é algo que não excita.
Liberto da casca de “voyeur” de quero-quero voltei para o meu papel momentâneo de estátua natural em mármore congelante, Deus, pensei como em oração, uma xícara grande de chocolate com canela em rama, valeria bem mais do que uma barra de ouro, e esta foi a terceira premissa, pois não se dá para aprender muita coisa em uma noite com um frio desses....brrrrrrrrr!!!!

terça-feira, 22 de maio de 2007

Domingo à tarde, quase noite, momento maior de introspecção. Por que será que nestas horas a gente se volta para dentro de nós próprios e fica procurando respostas....Que benesses estas respostas darão para nossas vidas? São tantos os questionamentos que sinto é melhor sair para dar uma volta, sem destinos ou bússolas, uma viagem de idas com voltas sem maiores comprometimentos que senão fugir....Nossa própria cabeça, vez em quando, pode ser um animal selvagem que não sabemos domá-la....Devo pensar nisso depois, aprender a domar meus instintos, meus pensamentos.
Viro a quadra de casa e adentro a avenida, lá na frente vejo um volume atirado à sarjeta. Aproximo-me, os olhos refletindo curiosidade. É um homem, Deus é um homem. Não falemos em Deus nestas horas, ele não tem nada com isso. Está deitado, decúbito dorsal, todo o corpo na sarjeta e uma perna encima da calçada. Seus olhos estão fixos no céu, olho para o céu e não está azul, parece que tudo no mundo nesta quase noite de domingo está negro. Seus olhos estão abertos, mas ele não vê nada, percebo isso. Ele está inconsciente, adormecido profundamente, as moscas voando ao seu redor como atalaias de seu sono. O sujeito bebeu até desmaiar. Penso em quais animais ele tenta domar, que feras habitam sua cabeça que o obriga a entorpecê-los com álcool. A pena – compaixão – pode ser um sentimento terrível e é o que sinto por aquele homem, jogado ao desprezo de uma sarjeta. Ele foi vencido pelos seus tormentos, seus pensamentos foram mais fortes que sua vontade. A derrota, me parece, pode ter diferentes níveis. Há o nível em que se perde com honra, esta é a melhor derrota; há o patamar em que a derrota não deixa honra, contudo, fica a possibilidade de se recuperá-la, depois, num momento mais fortuito; e há esse tipo de derrota, que joga o homem na sarjeta da calçada, da vida, reduzindo-o apenas a um volume na avenida. Segui meu caminho, tenho meus próprios animais selvagens para domar e a constrangedora cena em nada me ajudou, pior, fez ajuntar mais algumas bestas àquelas que já me atormentavam. Tenho um pensamento essencialmente judaico acerca a bebida alcoólica (deve ser porque a detesto!). Aos suicidas não resta sequer o direito de ser enterrado junto com os demais da congregação. Parece ser impiedoso, mas é a verdade. Detesto a bebida e, sobretudo, os seus efeitos. Em como ela consegue transformar homens em meros volumes....estranhos volumes às sarjetas de nossas cidades.
Chego a Avenida principal de Fátima do Sul e ela, à noite, é um misto de desolação e congestionamento. Alguns points que chamam a atenção dos jovens ficam lotados deles, os carros vomitando som alto e de pouca qualidade, hoje em dia é mesmo assim, compensasse com potência o pouco que se tem para mostrar: na música, nas pessoas; as gurias desfilando como caça à frente dos rapazes; estes em bandos, a abrirem suas caldas como se pavões fossem, todas as armas de conquista engatilhadas para chamar a atenção das fêmeas. Os amores ganham novos contornos nos dias de hoje, lascivos e mundanos, penso que não fui feito para esta época e seus modernismos.
Caminho pela parte desolada da urbe, no domingo à noite a solidão combina mais com meu espírito introspectivo. Um outro bêbado encostado a um poste fala comigo em uma língua ininteligível. Dou uma resposta educada, sigo em frente, o passeio não me ajudou muito. Parece que todos os bêbados estão soltos na noite fatimassulense. Retorno para casa, e tomo Clarice Lispector nas mãos, domo todos meus animais selvagens lendo “A hora da estrela”. Quais pensamentos teriam assolado Clarice num domingo à noite qualquer...será que os gênios sofrem como nós mortais comuns? Sem perceber adormeço, adormecendo comigo todos os meus questionamentos. Talvez a única resposta que realmente exista é que não nos é permitido ter respostas porque a vida perderia o sentido se já tudo soubéssemos...nós não saberíamos conviver com todas as verdades que habitam neste universo e em suas dimensões. E, no silêncio do quarto, sonhando com poetas e poemas aprendo a domar meus pensamentos....e durmo, mais uma vez inocente dos pensamentos que me acusam.

domingo, 20 de maio de 2007

UM CÃO E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES...

Estar com outros e depender dos outros havia tornado-se algo natural em mim.
O trabalho que conseguira fora de minha cidade me obrigava a isso e, na realidade, não me importava. Diariamente, era um exercício de humildade e humildade sempre nos faz bem.
Ficava num pequeno trevo onde os motoristas se viam obrigados a diminuir a velocidade de seus veículos, nesse momento, algum colega me reconhecia e, numa breve troca de olhares, nos entendíamos: a carona estava ganha!!!
Nessas muitas pequenas viagens, vi muitas coisas, ouvi outras tantas e sempre tirei algumas lições disso. A vida sempre está nos mostrando algo e precisamos estar receptivos aos seus ensinamentos.
Uma vez, quando o sol já bocejava sonolência, em uma das muitas caronas que ganhei naqueles tempos, vi um pequeno cão vira-latas, sentado a beira do caminho. Estava imóvel, como se fora uma estátua. Seu olhar perdia-se num vazio e sua expressão refletia a mais pura tristeza. O carro passou rápido. Toda essa cena me surgiu como um relâmpago. Contudo, a expressão do animal ficou em minha lembrança. Em meus pensamentos, misturados ao ruído estrondoso do motor e a conversa dos demais passageiros, me questionava sobre o motivo da infelicidade do cão. Ah! Mas a vida é urgente e nos faz mais urgentes ainda. Minhas responsabilidades, minha labuta, meu cotidiano me trouxe de volta a realidade. E o tempo passou, e o cãozinho se perdeu na distância e no esquecimento.
No outro dia, quando uma nova carona e um novo amigo me prestavam serviços; passei, novamente, célere pelo local. No acostamento, no mesmo lugar do dia anterior, lá estava o cão: impassível, quieto, morto... De repente, compreendi tudo: a tristeza, seu olhar perdido, sua agonia silenciosa. Então, em algum canto do meu coração, de uma forma perene, imperceptível, uma lágrima desabrochou e rolou pela minha alma. Em meu íntimo chorei... chorei pelo cãozinho morto, chorei por mim próprio...e por todas as pessoas!!!
"Quando eu me encontrava na metade do caminho de nossa vida, me vi perdido em uma selva escura, e a minha vida não mais seguia o caminho certo. Ah, como é difícil descrevê-la! Aquela selva era tão selvagem, cruel, amarga, que a sua simples lembrança me traz de volta o medo. Creio que nem mesmo a morte poderia ser tão terrível. Mas, para que eu possa falar do bem que dali resultou, terei antes que falar de outras coisas, que do bem, passam longe.
Eu não sei como fui parar naquele lugar sombrio. Sonolento como eu estava, devo ter cochilado e por isso me afastei da via verdadeira......
"






Canto I, Inferno, A divina comédia, Dante Alighieri



Nel mezzo del cammin di nostra vita
mi ritrovai per una selva oscura
ché la diritta via era smarrita.


Ahi quanto a dir qual era è cosa dura
esta selva selvaggia e aspra e forte
che nel pensier rinova la paura!



Tant'è amara che poco è più morte;
ma per trattar del ben ch'i' vi trovai,
dirò de l'altre cose ch'i' v'ho scorte.


Io non so ben ridir com'i' v'intrai,
tant'era pien di sonno a quel punto
che la verace via abbandonai.