domingo, 20 de maio de 2007

UM CÃO E ALGUMAS CONSIDERAÇÕES...

Estar com outros e depender dos outros havia tornado-se algo natural em mim.
O trabalho que conseguira fora de minha cidade me obrigava a isso e, na realidade, não me importava. Diariamente, era um exercício de humildade e humildade sempre nos faz bem.
Ficava num pequeno trevo onde os motoristas se viam obrigados a diminuir a velocidade de seus veículos, nesse momento, algum colega me reconhecia e, numa breve troca de olhares, nos entendíamos: a carona estava ganha!!!
Nessas muitas pequenas viagens, vi muitas coisas, ouvi outras tantas e sempre tirei algumas lições disso. A vida sempre está nos mostrando algo e precisamos estar receptivos aos seus ensinamentos.
Uma vez, quando o sol já bocejava sonolência, em uma das muitas caronas que ganhei naqueles tempos, vi um pequeno cão vira-latas, sentado a beira do caminho. Estava imóvel, como se fora uma estátua. Seu olhar perdia-se num vazio e sua expressão refletia a mais pura tristeza. O carro passou rápido. Toda essa cena me surgiu como um relâmpago. Contudo, a expressão do animal ficou em minha lembrança. Em meus pensamentos, misturados ao ruído estrondoso do motor e a conversa dos demais passageiros, me questionava sobre o motivo da infelicidade do cão. Ah! Mas a vida é urgente e nos faz mais urgentes ainda. Minhas responsabilidades, minha labuta, meu cotidiano me trouxe de volta a realidade. E o tempo passou, e o cãozinho se perdeu na distância e no esquecimento.
No outro dia, quando uma nova carona e um novo amigo me prestavam serviços; passei, novamente, célere pelo local. No acostamento, no mesmo lugar do dia anterior, lá estava o cão: impassível, quieto, morto... De repente, compreendi tudo: a tristeza, seu olhar perdido, sua agonia silenciosa. Então, em algum canto do meu coração, de uma forma perene, imperceptível, uma lágrima desabrochou e rolou pela minha alma. Em meu íntimo chorei... chorei pelo cãozinho morto, chorei por mim próprio...e por todas as pessoas!!!

Um comentário:

Katia Sirlene Avelino Mendes disse...

Beto! Lembro-me bem quando me mostrastes este conto pela primeira vez! Recordo-me a vida que tinhas, o quanto era sacrificante para tí e como não desanimastes naquela altura! Depois disto vieram outras tribulações mas mantivestes sempre firme. Jamais abandonastes as tuas convicções! Isto faz de tí a pessoa mais íntegra que eu conheço! Não é porque és meu irmão... é só pelo facto de não conseguir imaginar a minha vida sem as tuas palavras a tua forma de interpretar o universo a tua volta... uma lágrima acabou de desabrochar pela minha alma... sinto imensamente a dor da tua ausência física na minha vida...