
O silêncio, quando silêncio, é mais silêncio.
Seus sons são mais audíveis, sentidos, aguardados.
A noite é realmente mais delicada na cadeia.
Uma ducha demorada.
O pigarrear de uma garganta cansada.
Um espirro. Outro espirro.
Um rato que sobe as grades.
Dois ratos que sobem as grades.
O lento ato de fumar um cigarro, a oração da beata[1] que os santos não ouvem.
Tudo é mais escutado, sentido, com um furor que beira a idolatria.
A noite é tão delicada na cadeia.
É quando todas as suas quimeras estão adormecidas, todos os males estão entorpecidos. Desse desajeitado esquecimento da balbúrdia e do caos, da hibernação de seus demônios é que nascem estas noites tão delicadas na cadeia.
Foi numa dessas noites que aprendi que não existem anjos ou demônios, estes seres extraordinários, na cadeia. Estes estão lá fora, no universo real, cuidando ou atazanando a vida dos mortais.
Nesta dimensão alternativa, onde vagam sem perspectivas imediatas almas desalentadas, fantasmas instantâneos há arrastarem suas correntes pelos corredores desses cotidianos desesperadamente iguais, o maior de todos os anjos é o homem; e não existe demônio mais terrível que o próprio homem.
Ainda assim, em meio a esta guerra não declarada, ainda nascem noites delicadas na cadeia...