sábado, 23 de janeiro de 2016

LADRÃO DE LOUVORES


Saiu de noite pelas ruas da cidade a procura de uma facilidade qualquer.
Buscava o improviso, a vacilada, o cochilo, o descuido de algum cidadão. Ladrões buscam oportunidades, e, sobretudo, as oportunidades que se oferecem mais fáceis, baixo risco. 
Trabalho nesse ramo significa risco, e risco para este tipo de ladrão é besteira. Este em especial cortejava a facilidade.
Ela surgiu num bairro nobre da cidade.
Um belo carro com um belíssimo toca cd’s, fora de casa em uma rua escura, o automóvel parado embaixo de uma árvore. Enfim, tudo preparado a espera dos seus serviços. Mamão com açúcar.
Foi tudo muito rápido, como tem de ser e como sempre o fora com ele, um especialista nestes assuntos de invadir o alheio. 
Abriu o carro, deu uma vasculhada rápida em busca de celulares e carteiras – vai que a sorte lhe sorria ainda mais – e nada, somente o aparelho de som automotivo caro e moderno.
Tomou-o para si como se fosse seu. Partiu, deixando para trás tudo como estava quando chegara, com exceção, é lógico, do objeto furtado. 
Sorria, iria garantir na “boca” uns três dias de fumo. Que beleza!
Chegou a sua casa e tomou um banho demorado. Sempre fazia isso e nunca entendeu os reais motivos dessa atitude.
Parecia querer limpar com água as maldade que fazia com a carne, expurgar as culpas inconscientes de uma consciência cunhada na fogueira dos pecados. 
Depois, foi ter a real dimensão do seu “achado”.
Olhou e viu que era artigo de primeira. Boa marca. Bom produto. Tecnologia e funcionalidade tudo de mãos dadas num mesmo aparelho. Riu de si mesmo, parecia estar fazendo propaganda.
Meditou sobre isso e chegou a conclusão de que estas empresas de marketing deveria ter em suas consultorias um ladrão, feito ele, essa gente toda sabe o que é realmente bom. 
Envaideceu-se com isso – de gostar somente de coisas boas. 
O fato de essas “coisas boas” serem de terceiros, isso desprezou sem maiores considerações. Era um sujeito sossegado nestas questões.
Um olhar mais atento observou que havia um cd original dentro do aparelho.
A curiosidade aguçou sua vontade, a vontade acionou suas ações, e suas ações fizeram com que retirassem o cd do aparelho e colocasse num outro, de sua propriedade (??) para que o pudesse ouvir.
A música começou suave, boa música suave, e ele percebeu que era um louvor desses evangélicos, como eles chamam mesmo? Perguntou-se... Gospel??? Isso mesmo, gospel!!!
Parou um bocado na frente da música.
A canção invadiu o ambiente como se fosse uma pessoa ali presente, como se falasse com ele. 
Devagar ela foi tomando conta do espaço, ganhando cada contorno do barraco, deitando-se em sua cama, sentando à frente de sua mesa, como se fosse uma massa que preenchesse cada espaço daquele lugar. 
De repente, se viu de olhos fechados.
O Louvor o convidava para dançar.
Sem perceber como se deixou envolver por cada nota, e em sua consciência dançava com a música. 
Embalado, extasiado, ouvia cada palavra que falava de um sacrifício que nunca acreditara que pudesse haver. 
Como alguém poderia morrer por outro alguém?
Alguém como ele?
Achou-se num primeiro momento um bobo, por estar se questionando essas coisas, mas a verdade era que tudo isso era mais forte que ele. Não conseguia controlar.
A música não parava de falar aos seus ouvidos.
Mas ele sabia que não escutava com os ouvidos.
A música entrava dentro dele pelo coração.
Ficou envergonhado.
Havia roubado um servo de Deus.
Imediatamente, colocou tudo dentro da velha mochila que sempre o acompanhava e já era alta madrugada quando saiu de seu barraco na periferia velha da velha cidade. 
Quando chegou na casa onde havia aliviado do carro o aparelho, viu que tudo estava como antes. O antes de como deixou...
Entrou novamente no automóvel, deixou o aparelho de som sobre o banco do motorista e junto um bilhete que dizia: “Perdoe-me por ter roubado um servo de Deus, um crente!”
Voltou para sua casa imediatamente.
Ao chegar todo o ritual foi o mesmo, com exceção do banho que não sentiu necessidade. Nem soube por quê?
Ajoelhou-se na beira da cama improvisada com um colchão fino como até então era suas possibilidades e orou de um jeito que achou grosseiro, mas foi colhida com alegria pelo Ouvido divino.
Ele não sabia ainda, somente o saberia depois, mas estava convertido.
No outro dia, quando Deus lhe dava mais um dia para se juntar a sua coleção, dirigiu-se para uma igreja evangélica que ficava perto de sua casa. 
Humilde como ele.
Recebeu-o um pastor cheio de alegria e abraços.
Na nave da igreja, uma música era cantada de forma belíssima em todos os alto-falantes do lugar.
O ladrão ficou espantado, melhor dizer maravilhado.
Era a mesma canção que ouvira do cd roubado.
Sabia, naquele instante, que Deus falava com ele.
Deus estava interessado nele, nele que nunca ninguém prestou atenção.
Quando o pastor o abraçou, não era mais um ladrão que abraçava, e sim, um servo de Deus convertido que chorava e chorava como uma criança.
A misericórdia de Deus plantava mais uma alma em seu jardim.

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