domingo, 6 de setembro de 2015

O PRIMEIRO DELES

 Atendia a uma senhora quando o primeiro deles entrou.
Era um atendimento enfastiado, cansado mesmo.
A senhora fazia questão de todas as coisas em suas minúcias desnecessárias muito bem explicadas.
Eu pego o cartão sempre assim... Eu sempre trago uns trocadinhos...Todos os meses venho aqui... Onde posso pagar a fatura???
O atendente dava respostas monossilábicas, olhar desatento, modos distraídos, tudo nele ausente dali.
Não reclamemos, ele não era de modo algum grosseiro com ela, a impressão que dava era que acreditava o trabalho grande demais pelo dracma de um real que a senhora deixaria depositado em seu cofre. Só isso.
Foi nesse instante que o primeiro deles entrou...
A senhora já idosa saia com sua fatura nas mãos e a missão nas pernas de ir ao banco quitar seu boleto.
O primeiro deles solicitou sua necessidade colocando no inicio da frase a chave universal para todos os bons atendimentos: Por gentileza!
O atendente ficou espantado, mas não acusou o golpe, era daqueles tipos que não demonstram seus assombros desnecessariamente. Por gentileza, pensou o comerciante, são como elefantes desfilando na rua principal, se vê um agora e outro... sabe Deus quando.
E o cliente, o primeiro deles, fez seus apelos sempre com palavras amáveis e elegantes encaixados em frases bem construídas – por favor, muito obrigado, perdoe-me tudo isso rotina em seus lábios.
Foi quando o segundo deles entrou...
Trazia uma face de sexta-feira nebulosa de agosto e já ao entrar apresentou seu cartão de visitas: Ontem, a empresa tal me ligou oferecendo uma promoção e aquela filha disso, filha daquilo... Não contente com isso despejou um rosário de xingamentos que não conseguiríamos reproduzir por não conhecê-los e pela correção que um escritor sempre deve ter com seu leitor. Algumas informações são supérfluas.
O atendente calou-se, resignado.  Dedicou-se ao término dos trabalhos solicitados pelo primeiro deles.
O segundo deles, sentou-se, enfurecido, num puff personalizado com a logo da corporação odiada, blasfemando contra a atendente, a empresa e a vida.
Findado as atividades, o primeiro deles pagou e agradeceu. Ao sair, cumprimentou o segundo deles que respondeu com um amargo: Humpf!!!
Voltou-se para o atendente e deu um ultimo sorriso que foi com uma mensagem cifrada: Boa sorte, amigo!
Saiu e para o atendente, parece que o sol saiu com ele.
Olhou para o segundo deles que partiu em sua direção como se o vendedor agitasse um pano vermelho à frente de um touro.
Sentiu saudades do primeiro deles.
Sentiu saudades da senhora que passava no outro lado da rua comemorando a fatura quitada.
Armou-se de paciência e atirou-se no olho do furacão.

Nenhum comentário: