terça-feira, 7 de julho de 2015

DUAS CASAS: UMA HISTÓRIA EM DOIS ATOS



ATO UM
CARLOS CHAGAS

Quando entrou na casa viu que já estava quase toda vazia.
Vazia de móveis.
Vazia de pessoas.
Vazia de todos os sonhos que habitaram ali por tanto tempo.
Em todo o lugar percebia-se a poeira do passado.
Despistou esse pensamento de sua cabeça, abstraiu e voltou-se para a sua missão naquele lugar, naquele momento – deixar a casa ainda mais vazia.
Retirou alguns móveis do lugar e os carregou na caminhonete.
Parecia que nacos inteiros de uma história iam juntos com eles, e quando eles (os móveis) partiram com seus novos donos para escrever em suas essências novas histórias, para ele ficou apenas lembranças.
A verdade, e ele sabia disso, a história não é escrita por móveis ou lugares, pessoas é que determinam os fatos e os acontecimentos que ficarão registrados na existência da humanidade.
Aqueles móveis todos, que agora já corriam na distância, foram testemunhas vivas de tantas histórias, viram tantos momentos felizes e outros tantos não tão alegres, que parecem que se tornaram parte presente de toda a família.
A sua partida, definitivamente, era o ponto final desta história. E isto ficou claro para ele naquele momento.
Adeus. Ces’t fine.
Uma lagrima correu seu rosto. Solitária como ele dentro da casa.
Fechou o lugar todo.
Olhou tudo novamente.
Cada olhar dizendo um adeus.
Para ele foi pouco tempo de história ali, mas o pouco pode ser muito quando vivido com absoluta intensidade.
E ele viveu tudo ali.
E ele foi feliz ali.
Até o dia em que ela partiu, levando um pedaço de todo mundo – saudades, este é o cheiro da casa agora.
Saudades.
Saiu. E no coração sabia que não mais voltaria ali.
Foi sua ultima vez, esta página virava definitivamente.
Escondeu essa nova lágrima na escuridão da rua.
Carlos Chagas nunca mais...



ATO DOIS
ATAULPHO DE MATOS

Quando chegou em casa, os dois o esperavam.
Beijou a ambos, o pastor na face, a esposa nos lábios.
Quando passou pelo portão, na rua ficou a antologia amarga e triste.
Preferiu não prestar atenção no passado.
Na sala, neste momento, havia risadas e rostos felizes,
Alguém falava de Deus e de seu amor pela humanidade.
Nos cantos e sobre todas as coisas ele enxergou o verniz ainda fresco de todas as novas possibilidades.
Isso, pensou, que se feche o baú do passado e todas as suas histórias. Elas nos ajudaram e nos formaram até aqui, mas suas águas são incapazes de mover o amanhã.
Não seremos felizes com o ontem, felicidade necessita do frescor do pão do dia e que o devoremos com sagacidade e paixão.
Sentiu nas narinas o perfume delicioso de futuro.
Que essência perfumada e deliciosa.
Borrifou todas as suas expectativas com esse eflúvio.
Em seu peito nasceu uma flor de esperança.
Esperança de dias melhores, de novos momentos, de outras possibilidades, a vida seguia seu curso e nestas águas todos nós teríamos de navegar.
Não se pode ficar à margem deste rio.
A felicidade não para, parados, todos nós criamos o lodo da tristeza.
São muitas as lutas de todos nós, uma delas é buscar a felicidade.
Olhou à frente, altivo.
Sabia que as lutas seriam grandes, pois assim mesmo é a existência.
Sentia-se revigorado, pronto.
A tudo enfrentaria com paixão, esse balsamo que move os vencedores.
O endereço é novo.
Alguns móveis são novos.
A expectativa igualmente deve ser concebida com a carne jovem da novidade.
Viriam lágrimas, e ele sabia disso.
Igualmente, viriam novos sorrisos, e isso também sabia.
Não queria mais determinar qual biografia seria escrita dali para frente, se páginas de infelicidades ou capítulos inteiros de alegria.
O que queria, e sabia, é que estava pronto para a nova vida.
Com os seus ao seu lado, o pastor e sua majestade, sua rainha e ele um príncipe plebeu e, se fosse a vontade de Deus, uma princesa para herdar estas histórias todas e a humilde província.
Ataulpho de Matos seria agora o castelo deles...

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