sexta-feira, 3 de julho de 2015

DEIXEM-ME CHORAR POR MAMÃE!





Quando já findava o banho de sol da galeria, o interno “colou[1]” na grade e pediu “seguro[2]”.
O agente penitenciário olhou-o desconfiado, seguro no final do banho de sol é coisa que não se faz, “chapa[3]” o carcereiro.
O preso insistiu, precisava sair do raio.
Ainda que contrariado, o agente tinha de dar uma decisão ali, naquele instante, sem delongas, assim, preferiu não pagar para ver e tirou o interno para encaminhá-lo para a solitária.
O pedido de seguro é uma instituição “quase” sagrada dentro da cadeia. É um direito do preso. É evocado para a proteção da vida e a integridade física do condenado.
O normal é que, assim que se abrem as celas para o banho de sol, todo aquele que se sinta ameaçado saia correndo para a área de segurança buscando a proteção dos agentes. Isso, quando não peça antes mesmo da abertura das celas e seja retirado quando todos ainda estejam presos.
O pedido de seguro é humilhante para o preso, e todos sabem disso.
Ao se colocar na balança, a humilhação e a ameaça real, a escolha fica fácil. Para a maioria absoluta dos presos, é melhor ser um covarde vivo do que um valente morto.
Este que saía no final do banho de sol “zuava[4]” a segurança. Ameaçado não convive com ameaçadores, do mesmo jeito que a presa não come no mesmo prato do predador.
Quando ele ficou sozinho na cela de espera, o agente encostou lá, cara de bravo, queria saber qual era a do “ladrão[5]”.
O preso não se fez de rogado e antes mesmo de qualquer pergunta, entregou o serviço. Puta velha sempre sabe em que cama deve se deitar.
A questão era que a mãe do condenado havia morrido no dia anterior e ele, bandido numa cela de bandidos, não podia ficar numa “boa” usando o palavreado do ladrão.
“Eu quero curtir o luto, senhor!”
O agente entendeu tudo e solidarizou-se. Bandido não chora.
Arrumou uma cela onde o preso iria ficar sozinho (quase um milagre em cadeia superlotada) e o colocou lá dentro. Trancou a porta e já se afastava quando ouviu um gemido, um lamento agudo que se desgarrava da alma: Mãezinha! Mãezinha!

Bandidos também choram...


[1]
Aproximou; chegou perto.
[2] “Pedir seguro” é quando o preso que se encontra sob ameaça de morte ou a sua integridade física esá ameaçada, dentro de sua cela ou dentro do pavilhão, pede para sair da galeria para o agente penitenciário. É uma forma real e legal de proteção a vida do preso.
[3] Irrita, deixa nervoso.
[4] Debochava; deixa nervoso.
[5] Forma pelo qual os próprios presos se tratam. Não é um considerado um ato ofensivo dentro da penitenciária. Todo o preso é tratado como ladrão, ainda que seu artigo no código penal seja outro qualquer.

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