terça-feira, 15 de novembro de 2011

O ENGENHEIRO E A FLOR DO BAIRRO


Era uma pessoa que já tinha quase 90 anos. Mas era o tipo de pessoa que passava por nós na rua e era incapaz de não nos cumprimentar, de nos tirar o chapéu. Era cordial. Solícito. Prestativo. Era uma pessoa que parecia preocupar-se com os outros. E que faleceu a conversar com a empregada enquanto a mesma lhe preparava o pequeno almoço (café da manhã). Ela disse que virou-se para colocar algo no microondas e ele sentado no sofá, caiu para o lado. Foi um ataque cardíaco fulminante. Chamava-se J.C.R.A.. E em mim, deixará muita saudade. E o orgulho de poder ter conhecido e trocado experiências de vida com alguém que tinha na sua simplicidade a mais pura sabedoria. Cuidava da esposa que tem Alzheimer. Estou triste. Sei que a morte faz parte da vida, mas pessoas como o Sr. Engenheiro, faziam desta vida, deste mundo, um lugar melhor para se viver, conviver... (Testemunho da flor do bairro)


Algumas histórias que são contadas para nós, se armazenam dentro da memória, e isto é bom. Outras, que não nos encantam, passam tão rápido por toda a gente que sequer nos lembramos que um dia tivemos contato com elas, isto é mal. Mas, existem algumas histórias, que de tão lindas, mágicas, ou sabe-se lá que nome se deve dar para elas, vão direto para o nosso coração, e lá vicejam e nos fazem melhores, isto é maravilhoso.
O engenheiro era um velho senhor já aposentado, na casa dos seus 90 anos. Era daquelas pessoas sempre prontas para doar um sorriso, uma gentileza, um elogio, não por protocolos ou cerimonialismo, simplesmente, por que era do seu coração.
Ele a conheceu no balcão da farmácia, onde ela lá se encontrava todos os dias. Não precisou de muito tempo para que, o velho engenheiro, percebesse que estava diante de alguém especial. Ele pensou, ali estava uma flor.
Porque ela a recebeu com um sorriso sincero, depois lhe desejou um bom dia com tanta honestidade que ele, o velho engenheiro, soube no começo da manhã que o restante do seu dia seria ótimo.
Ele foi atendido como se ela fosse realizar a ultima venda que haveria neste mundo, e, por alguns instantes, num evento simples e comercial, ele se sentiu especial.
As pessoas boas têm essa propriedade admirável que as fazem singulares, o contato delas com os outros, fazem com que estes sejam iluminados por sua luz, e, tanto o velho engenheiro como a flor do bairro, eram pessoas dessa estirpe.
Ele foi embora e se despediu dela chamando-a de flor de bairro, e, por flor do bairro, foi pelo que doravante, sempre a tratou.
E, todos os dias, ele passava em frente a farmácia, fazia uma menção gentil tirando seu chapéu da cabeça e a cumprimentava num ritual diário e carregado de gentilezas mútuas: “Bom dia, flor do bairro!”
Ela sorria, e seu sorriso iluminava o velho senhor e todo o lugar: “Bom dia, Senhor Engenheiro!”
E, de quando em quando, falavam da vida, de generalidades diversas, pequenas coisas que para alguns são pequenas demais, todavia, para outros, os sábios, entendem que são estas pequenas coisas que enchem a vida de felicidade e doçura.

Num dia qualquer que nasceu para ser igual a todos os demais, o senhor engenheiro não apareceu. Ela sentiu falta dele, logo nas primeiras horas, ainda que os afazeres do trabalho engolissem seu tempo e sua atenção.
Depois, surgiu alguém montado no negro cavalo da tragédia, e deu a notícia que ela jamais quereria ouvir: “O velho engenheiro morreu, derrotado por um infarto fulminante do coração!”
Ela se recolheu para um canto da farmácia, se fechou dentro de seu coração e da tristeza, queria um breve momento consigo, queria chorar a perda do amigo tão querido, e todas as suas lágrimas foram uma oferenda de saudades no altar de boas memórias que guardaria dele para todo o sempre.
Voltou para o balcão da farmácia e enxergou no meio da calçada o velho engenheiro a olhar para ela, elegante, sorridente, rosto resplandecente a se curvar num gesto gentil com o chapéu e a lhe dizer: Adeus, flor do bairro! Depois, da mesma forma mágica como surgiu, montou em um belo e alado cavalo branco e voou para o céu azul que se abriu para recebê-lo com honras no paraíso.
Ela ficou lá, perdida entre lágrimas e sorrisos, comemorando a boa alma que ganhava o éden, arrazoando consigo mesmo que, jamais, bons corações deveriam ser vencidos.
Os bons, comemorou, são eternos!


5 comentários:

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Meu querido amigo

uma história muito doce e terna...e realmente há pessoas que nos marcam para sempre e ficarão como uma eterna lembrança.

Deixo um beijinho
Sonhadora

VELOSO disse...

Uma crônica linda daquela que dá um nó na garganta, parabens e tudo de bom.

maria claudete disse...

lindo e comovente, Gilberto: os bons são eternos!A saudade sentida jamais será esquecida. Abraços.

Nelma disse...

Emocionante...tanto quanto as lembranças que ficam para sempre gravadas em nossos corações.

Urbano Gonçalo de Oliveira disse...

Muito lindo amigo Gil, muito lindo!
Como já referi antes, tens um coração enorme, tomara mais gente fosse assim.
Abraço, fica bem.