O largo do rato é um bairro especial.
A arquitetura do lugar impressiona, antiga, que remete a época de ouro de Portugal, tempos em que a nação lusa era a grande potência mundial e seus navegantes desbravavam mares desconhecidos em busca de riquezas e novas terras.
Tudo por lá tem a arquitetura do passado ainda que dentro dos comércios em geral reine a sofisticação dos potentes computadores e softwares modernos. A velha história, o passado é bom e lindo mas fica lá fora, aqui dentro, de verdade, habita a modernidade.
Passei em frente a uma loja de antiguidades, mamãe preferiu dizer que era de bugigangas, talvez estivesse certa, talvez não, o que importa é a forma como olhamos as coisas é esta a verdade que emprestamos a elas. Ela estava lá, uma velha e forte cadeira toda trabalhada em seus mínimos detalhes. Acreditei que ela tinha uns duzentos anos, ainda que eu não posso testemunhar isso sobre o livro da verdade. Imaginei quantas pessoas descansaram seus cansaços sobre ela, quantas decisões foram firmadas sendo ela firme testemunha. Provavelmente, ela viu crianças nascerem, tornarem-se homens e saírem para a vida e todas as suas dificuldades, e os viu retornar mais tarde, vitoriosos ou derrotados e a todos recebeu com a mesma honestidade em seu procedimento.
Ela serviu a alguma família, ou famílias, de forma honesta e leal e, de repente, alguém acreditou que uma nova poltrona com motivos modernos, seria mais útil e despejou-a ali, solitária e infeliz num purgatório injusto.
Uma cadeira como aquela mereceria os destaques da sala de estar de uma boa família, honesta e feliz, de gente fraterna e cúmplice, jamais o ostracismo e a periferia de uma loja de antiguidades.
Papai caminhava na frente, mamãe logo atrás e minha mana na sequência e eu, por último, fascinado pela cadeira, encantado pela arquitetura do Largo do Rato.
Olhei para a cadeira, ela olhou para mim.
Nos entendemos facilmente. Os poetas são mais sensíveis e a cadeira talvez tenha abrigado algum deles.
Imaginei uma mesa de jantar e a cadeira no canto principal.
Imaginei nós quatro, aqui ou em qualquer canto do mundo, a jantar e a rir das banalidades do dia.
Segurei uma tristeza incipiente, sabia que meus sonhos e os da cadeira não são e nunca serão compatíveis.
Fui-me embora, sonhando com a cadeira na sala de estar de minha família.
A cadeira ficou lá, quieta, impassível, aguardando uma família para chamar de sua, família esta que sabíamos, não seria a minha…
Ilustração: Antiga foto do largo do Rato, colhida na NET
3 comentários:
Estou amando conhecer Portugal com vc!
Bjs.
Gostei do texto. Também gosto do Largo do Rato, apesar da confusão. E decerto ia gostar dessa cadeira...
Beijos.
Ver em pequenas coisas, as grandes coisas da vida.
Tomar existissem mais pessoas assim.
Continuo a "pedir" visita o norte, visita o Porto.
Podes apanhar um alfa (comboio rápido!), vais de manhã vens à noite ... se conseguires.
Abraço, vou de volta para Espanha mais uma semana.
Fica bem, ainda bem que estás feliz com esta tua passagem por cá, espero que se repita.
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