quinta-feira, 23 de junho de 2011

OLHARES DE OUTONO


O circulo foi improvisado ali mesmo, naquele local que parecia o mais improvável de todos – às portas de uma grande cadeia.

O homem gritava os seus versos, seus olhos buscavam cada rosto feminino que ali se encontrava, e pelas faces sofridas, sabia-se que em cada uma, uma história de dor diferente era escrita todos os dias.

Elas já tinham vencido muitas intempéries.
Tinham ultrapassado a humilhação que sentiram um dia de estar ali aos domingos, o dia de visitas da penitenciária. E tinham aprendido a voltar... fielmente, sempre retornavam, em nome de uma lealdade que somente as mulheres conhecem.

Muitas delas sabiam que sua vida seria aquela mesma, pois seus homens insistiam em retornar, eles um dia, sabiam elas, conheceriam a liberdade, ainda que brevemente, elas.... jamais! Estavam condenadas a uma expiação que duraria toda a sua existência – a mulher de bandido acompanha-o em toda a sua condenação, e além... e além...

Todos os que chegavam (ou passavam) olhavam o quadro com diferentes satisfações. Seus olhares expressavam os mais diversos sentimentos e todos os sentimentos vinham cavalgando os mais formosos puros-sangues de preconceito e estigmas.

Pelo grupo de mulheres, passou todos os olhares...
Passou o olhar de indiferença. Passou o olhar de diferença. Passou o olhar de resignação e a condenação. Passou o olhar de perdão, o de solidariedade. Passou o olhar contrariado, o amistoso, o simpático e mesmo o raivoso. Passou a intolerância, passou o preconceito, passou o olhar egoísta. Passaram todos os olhares e nenhum deles para bem ou para mal abalou a fé delas.

E, ao sinal do homem, elas rezaram, na porta da cadeia, no meio de todo o povo, debaixo de um céu azul e não esperaram nada em troca que não fosse a chance de exercitar o poder de sua própria fé.
A fé pode habitar palácios e barracos, mas em nenhum lugar ela é mais exuberante do que no olhar daqueles que crêem.

E, aquelas mulheres criam mais do que todos, naquela fria manhã de outono...

4 comentários:

Cria disse...

Te ler é sempre um prazer, amigo poeta ! Beijo, bom domingo e obrigada !

Anônimo disse...

Boa noite, Gilberto!

Algumas coisas acontecem na singeleza de um gesto que nos deixam muito felizes.Hoje, um desses gestos me fez crer ainda mais no que me mantém no espaço dos blogs: a gratuidade e a delicadeza de visitas assim como a tua ao meu cantinho.
Por isso obrigada pelo carinho da sua presença e das lindas palavras deixadas lá.

Deixo aqui o desejo de um domingo abençoado!

Paz e Luz no seu caminhar

Anônimo disse...

Que gostoso este texto para esquentar nosso inverno deste domingo frio e chuvoso!
Lindoooooooooooooooo!
bjosssssss

Urbano Gonçalo de Oliveira disse...

É como dizes, a fé pode habitar palácios ...

Lindissimo este post, principalmente este trecho final.

Este tema já aqui abordado (as prisões), é sempre por ti muito bem cuidado, e não é fácil.