
E, de repente, não mais que de repente, quando sua última película de existência enterrou-se neste atoleiro que é a solidão, quis se matar e descobriu mil formas de faze-lo, das mais simples às sofisticadas; das de formas limpas àquelas com requintes de barbárie. Queria-se morto! Ser percebido, ser comentado, quem sabe uma lágrima, uma única lágrima para si, uma vez na vida, o mundo que não o conhecera vivo, o reconheceria morto. Não conseguiu...Em seu caso, suicídio significava dignidade e a dele, esta qualidade que freqüenta os grandes homens, fora embora de mãos dadas com a sua auto-estima e as virtudes, todas em desabalada carreira fugindo desesperadas da consciência de um ser humano que nascera para o ostracismo social.
Mas um dia de repente, não mais que de repente, ganhou uma fortuna em dinheiro. Não se sabe ao certo de onde o dinheiro apareceu, o fato é que ele estava lá, um monte de dinheiro, e isto, a grande quantidade, torna a sua origem irrelevante para as pessoas. Os pés sujos da fortuna são sempre ofuscados pelo corpo exuberante da riqueza. Sendo rico, nasceu para o mundo que o conheceu, o acolheu num longo e delirante abraço. O dinheiro é um excelente cosmético para a mediocridade.
E, de repente, muito de repente, era convidado para festas e recepções, participava de jantares maravilhosos e suntuosos, riam de suas piadas insossas, adoravam sua presença recheada de indiscrições e indelicadezas. Tornar-se-á querido, respeitado, necessário, tratado como um “parvenu*”, um homem de estirpe e sangue azul. Foi feliz o quanto se pode ser nestas situações onde a felicidade é fugaz, onde a falsidade exerce soberania singular. Mas nisto, sua mediocridade o ajudou. Afeito aos seus poucos atributos físicos e morais, a notoriedade luxuriante e corrompida que o dinheiro lhe deu foi suficiente. Talvez tivesse percebido isso, mas se o fez, não deixou transparecer. Não possuía a felicidade, o máximo que tinha era um arremedo dela, e para quem um dia sequer existiu, o nada era muito. Tudo o que queria era ser bajulado pelas pessoas, ainda que estas fossem tão medíocres quanto ele próprio.
Foi feliz, enquanto o dinheiro durou....E isto, não passou de um repente, não mais que um repente...
* PARVENU: do francês, filho da fortuna.
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