quinta-feira, 16 de agosto de 2007

O HOMEM QUE NUNCA EXISTIU...

...E, de repente, não mais que de repente, estava só, como sempre esteve, aliás, só do mundo, só das ridículas coisas triviais que constroem a vida de um ser humano comum, só em si próprio. Há muito que andava pensando em sua existência pacata e pequena, limitada a um restrito espaço da periferia do sucesso. Era do tipo que poucos queriam ver, usando um eufemismo para ninguém. Suas idéias eram ocas, vazias de brilhantismo, efêmeras em inteligência, natimortas na capacidade de chamar a atenção. Quando falava, ninguém lhe ouvia. Quando qualquer um falava, escutava com a dedicação dos miseráveis, faminto pelas migalhas caídas da mesa da amizade. Seu andar era arrastado, levava todo um mundo de desejos insatisfeitos e solidão às costas. Sua tristeza parecia endógena, traduzindo-se e refletindo-se de um mundo ao qual queria pertencer, mas não lhe conhecia.
E, de repente, não mais que de repente, quando sua última película de existência enterrou-se neste atoleiro que é a solidão, quis se matar e descobriu mil formas de faze-lo, das mais simples às sofisticadas; das de formas limpas àquelas com requintes de barbárie. Queria-se morto! Ser percebido, ser comentado, quem sabe uma lágrima, uma única lágrima para si, uma vez na vida, o mundo que não o conhecera vivo, o reconheceria morto. Não conseguiu...Em seu caso, suicídio significava dignidade e a dele, esta qualidade que freqüenta os grandes homens, fora embora de mãos dadas com a sua auto-estima e as virtudes, todas em desabalada carreira fugindo desesperadas da consciência de um ser humano que nascera para o ostracismo social.
Mas um dia de repente, não mais que de repente, ganhou uma fortuna em dinheiro. Não se sabe ao certo de onde o dinheiro apareceu, o fato é que ele estava lá, um monte de dinheiro, e isto, a grande quantidade, torna a sua origem irrelevante para as pessoas. Os pés sujos da fortuna são sempre ofuscados pelo corpo exuberante da riqueza. Sendo rico, nasceu para o mundo que o conheceu, o acolheu num longo e delirante abraço. O dinheiro é um excelente cosmético para a mediocridade.
E, de repente, muito de repente, era convidado para festas e recepções, participava de jantares maravilhosos e suntuosos, riam de suas piadas insossas, adoravam sua presença recheada de indiscrições e indelicadezas. Tornar-se-á querido, respeitado, necessário, tratado como um “parvenu*”, um homem de estirpe e sangue azul. Foi feliz o quanto se pode ser nestas situações onde a felicidade é fugaz, onde a falsidade exerce soberania singular. Mas nisto, sua mediocridade o ajudou. Afeito aos seus poucos atributos físicos e morais, a notoriedade luxuriante e corrompida que o dinheiro lhe deu foi suficiente. Talvez tivesse percebido isso, mas se o fez, não deixou transparecer. Não possuía a felicidade, o máximo que tinha era um arremedo dela, e para quem um dia sequer existiu, o nada era muito. Tudo o que queria era ser bajulado pelas pessoas, ainda que estas fossem tão medíocres quanto ele próprio.
Foi feliz, enquanto o dinheiro durou....E isto, não passou de um repente, não mais que um repente...

* PARVENU: do francês, filho da fortuna.

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