
De repente, sobem os agentes, a polícia da cadeia, os coletes, os cinzentos, indesejados por uns, odiados por todos; a quimera agita-se, se contorce num espasmo, rompe-se a placenta do silêncio e surge um assovio longo e agudo formado por um coral de mil sacis. Fiu... Fiu..... Fiu..... O alarme está dado, os agentes vêm chegando, é hora de sufocar os gritos, de esconder os radinhos[1], guardem as facas, tome logo este último gole de Maria Choca[2], tapem os mocós[3], a polícia vem vindo.... Vem vindo!
Apesar da calmaria, a cadeia nunca dorme inteiramente, ela é um monstro, uma quimera de mil corações, mil pares de olhos, mil olfatos e têm mil vidas para serem desperdiçadas. A cadeia nunca dorme, tem sempre um olho acordado para vigiar, atalaia patife e insone, um saci para acordar os outros sacis e soar o grande coral de alarme da cadeia. É impossível colher a grande quimera desprevenida, não há formas de emboscá-la em seu habitat maldito ou vacilando no seu eterno plantão; ela está sempre atenta com seus mil pares de ouvidos que escutam tudo e em toda a parte.
Os agentes chegam e fazem seu trabalho, rotina ou extraordinário, não importa, em todas as boquetas[4] olhares rompem a noite, atentos, analisando, odiando, tecendo mil maldições... Maldições das sentinelas sacis... E de todos os demais demônios!
Será que maldição de saci pega?
Os agentes vão embora, despreocupados, rindo de alguma mula[5] qualquer... Talvez seja essa a grande vacina para as maldições dos sacis e de todos os demônios que habitam as entranhas desta quimera... O bom humor!
De repente, as risadas e os passos vão ficando distantes no corredor, um fechar de cadeado, de dois cadeados, mil cadeados trancados... O silêncio retorna ao seu descanso vigilante, a cadeia retorna a sua rotina – o que é patifaria retorna para o esgoto onde vive; as orações retornam cheias de fé e de tristeza, a fé é maior dentro da cadeia! O silêncio é mesmo democrático na cadeia, a quimera suporta a oração com a mesma apatia com que ouve as maldições.
Não se ouve mais os agentes, seus passos, suas chaves, suas risadas, suas preocupações, todas as maldições de um ofício que desconhece bênçãos foram-se com eles.... Só se ouve o silêncio... O silêncio e todas as suas malditas possibilidades.....
Dormem os sacis, por enquanto!
3 comentários:
Ola Anjo!!Muito bom!Vc. retrata as noites em uma prisão de uma forma,que muita gente não veria!Acho interessante e intrigante, como vc. escreve!Estava com saudades ,pois a um tempinho vc. não postava nada!Adoro vir aqui, e ter sempre algo interessante pra ler!Muito bom mesmo, continue sempre nos presenteando com suas palavras!Abraços!
....Simplismente espetacular...esse retrato das noites em uma prisão...talento não é para quem quer e sim para quem já nasce com ele....sucesso irmão e que Deus te abençoe cada vez mais. Abraços.
É difícil imaginar um local onde o tempo parece não existir para muita gente que é o preço que se paga por algum delito que cometeu enquanto a vida era vida...histórias repetidas por falta do que ter o que viver para contar, apenas ruminar sobre o passado, no presente, sem persperctivas de um futuro promissor...
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