quinta-feira, 6 de outubro de 2011

SOBRE FACEBOOKS E ARTIGOS DE DIREITO

O homem entrou numa das muitas paradas do ônibus.
Não olhou para os lados, escolheu seu lugar e largou-se com uma pressa algo exagerada. Sentou-se logo à minha frente, límpido para meu campo de visão.
O ônibus não estava cheio.
E como passageiros haviam, ainda, um casal adolescente, muito adolescente, que trocavam incessantes carinhos mútuos e beijos estralados. Mais à frente, uma mãe e o filho petiz, que insistia em seguir viagem de pé sobre a poltrona. Mais atrás, um velho senhor acariciava um cigarro de palha cuja matéria prima era um fumo fedorento – se questionava os motivos de não poder fumá-lo.
O homem, um rapaz high tech, abriu uma maleta negra e dela retirou um computador portátil. Puxou de algum lugar um drive que dá acesso remoto à internet e, pronto(!) em minutos, enquanto o ônibus devorava a estrada, ele navegava pelo mundo.
Foi impossível não bisbilhotar.
Lá estava ele em dezenas de páginas de facebooks. Despejou sorrisos e suspiros para os perfis de Ledas, Patrícias, Cintias, Natálias, Brunas e tantas outras garotas lindas e maravilhosas. E, mandou e leu alguns scraps, respondeu uma porção de e-mails com uma urgência eufórica, riu de algumas boas piadas que chegaram nestes correios eletrônicos e, por fim, entrou no MSN, ninguém estava on, seu mundo todo off, suspirou desanimado.
Insensível, sua consciência o convidou para estudar, abriu o Word em um artigo que tratava de procedimentos jurídicos. No monitor, o artigo subia, o artigo descia, ele olhou para o horizonte, olhou de novo para a tela, pela primeira vez na ultima meia hora incomodou-se com mais um (entre as dezenas que houveram) estalido de beijo entre os adolescentes e, subitamente, como se desmaiasse, dormiu... sem mais, sem menos... Sonífera matéria, pensei com sorrisos calados.
Entendi que facebook dá mais entusiasmo que artigos de direito e, sorri, apreciando a paisagem estéril da pós-colheita, sem condenar meu colega de viagem.
Enquanto isso, no resto do universo do ônibus, tudo na mesma.
Os adolescentes ainda se beijavam, quase acreditei que iam se devorar ali mesmo; o velho insistia num flerte com o cigarro de fumo que, dentro do veículo público, não ia dar casamento; e o guri, em dado momento, foi convencido pela mãe e os argumentos irrefutáveis de uma palmada a sentar-se em sua poltrona.
Voltei meu pensamento para minhas próprias coisas e todas as outras ficaram em algum quilometro lá atrás da viagem. Somos todos passageiros do mesmo ônibus, que nos conduz entre os mais diferentes destinos rumo à derradeira estação.

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