domingo, 8 de maio de 2011

ABRAÇOS ESQUECIDOS


As crianças eram três e chegaram com a avó.
Traziam um sorriso fácil nas faces petizes, uma energia apressada nas perninhas, um brilho de esperança no olhar e tudo nelas cheirava a posteridade. Esta é a grande diferença entre os adultos e as crianças, enquanto nestas vislumbra-se o futuro, sob a superfície dos crescidos se vê o pó cansado do passado.
O pai deles estava lá, frente ao portão, limpo e barbeado, vestindo o que parecia ser sua melhor roupa, o instante fardava-se de gala enquanto que sua vestimenta era do mais puro tecido do cotidiano.
Quando o portão se abriu e crianças e avó saltaram para dentro largaram-se todos eles em um repente de euforia que se ergueu sobre as poderosas forças dos beijos e abraços.
... E tudo durou muito pouco tempo, porque daí a pouco as crianças corriam pelo lugar, brincavam com um e com outro, entretidas com peripécias infantis. E eles, mãe e filho conversavam despretensiosamente encostados a um muro.
... E, de repente, tão rápido quanto pode ser um instante de felicidade na cadeia, chegou o momento de ir embora.
Ele, o pai, o preso, beijou a mãe com ternura e, nas crianças deu-lhes um abraço que concentrou neste ato todos os abraços esquecidos e perdidos entre eles até então... E, junto desses, cravou uma promessa de novos dias, de novos abraços, um comprometimento que a mãe fez força de acreditar, que as crianças receberam com vivas e aleluias.
As crianças foram embora levando com elas os mesmos sorrisos fáceis, a mesma energia apressada nas pernas, o mesmo brilho de felicidade em seus olhos e ainda resistia nelas o cheiro fresco de futuro. As crianças não se concentram no agora, elas não se preocupam com os porquês do presente, para elas, estas, são inquietações desnecessárias...
O pai ficou lá, em pé, preso, assistindo a família que ia embora, o brilho de uma lagrima que não caiu de dentro dos olhos se segurando na força que fingia ter.
Daí a pouco, como se ligasse numa outra voltagem, retirou-se da vista de todos e alojou-se no anonimato da cela. Pegou o cachimbo. Acendeu a pedra. Deu duas baforadas longas. Queimou algumas centenas de neurônios, deitou-se na cama com um sorriso estúpido na face, esquecido da mãe, dos filhos, dele próprio... A droga era mais forte que todos os abraços prometidos...

6 comentários:

Anônimo disse...

Lindo texto meu amigo!
Tb ando sentindo falta dos seus abraços!

Bjs

ELIANA-Coisas Boas da Vida disse...

Uau que texto bacanérrimo fiquei triste com esse final,mas tudo bem sei que é assim mesmo que acontece e é uma pena!
OBRIGADO POR COMPARTILHAR !
BEIJO

Marilu disse...

Querido amigo, meu blog Devaneios está completando um aninho de vida, e gostaria de convidá-lo para comemorar. Tem um selinho lá para você. Tenha uma linda semana. Beijocas

maria claudete disse...

Gilberto ,hoje li um texto imenso, aliás uma revista sobre o crak e seus efeitos deletérios e o por quê do vício fácil. É muito triste ser prisioneiro de si mesmo. Tua crônica diz bem do sofrimento gerado, mas a inocência da infância que não se contamina é de Deus, porque o contrário , que é mais comum, a degradação familiar é inevitável. Abraços fraternos.

Anônimo disse...

LIndo demais teu texto.
Saudades daqui e de tuas visitas!
bjosssssss

Urbano Gonçalo de Oliveira disse...

Bonito texto, muito sensivel e cuidado.
Estes temas não são normalmente bem tratados, pois são de tal delicadeza que poucos lá chegam para sobre eles escrever.
Mas ... claro, tu estás sempre um pouco mais à frente, não é amigo?!!
Abraço, fica bem neste domingo.