sábado, 17 de junho de 2017

OS ESQUECIDOS


A noite da cadeia é tão frágil.
É um fino cristal que, no primeiro e no mais leve toque, quebra-se em mil pedaços, cada um desses estilhaços produzindo o som rígido de um trovão.
Mil trovões enclausurados...
A madrugada estende sua negra colcha felpuda e o silêncio parece deitar-se sobre ela, reconfortando-se nesse aconchego.
De repente, se ouve um grito, uma voz que uiva para a lua seu lamento. Triste lamento...
Se prestares atenção, ouvirás a sinfonia de grilos, minúsculas sirenes num universo que odeia sirenes.
Uma coruja dá um bote... e erra. Na cadeia também se erra os botes, só que nesse lugar os fracassos fazem as barrigas dormirem vazias. Cadeia sempre cobra, sempre cobra.
Uma lâmpada acesa se apaga, acende, apaga, acende, numa eterna dúvida consigo mesmo – lâmpadas acesas são lâmpadas; lâmpadas apagadas é apenas noite, é treva, é escuridão, não brilha, não é nada.
Noite, é isso o que somos todos nesse lugar... noite.
O ladrão ama a treva porque nela não é visto, e o agente penitenciário é apenas noite, gostando ou não gostando, noite, simples assim. Sem explicações, sem nada. Treva. Não é nada além disso... Ninguém quer mesmo vê-lo... Melhor esquecê-lo dentro da noite da cadeia.
Onde o agente penitenciário pisa não floresce esperanças.
Não nos enxergam como polícia. Não somos polícia.
Não somos sequer segurança pública, somos um embaraço, um estorvo, uma necessidade incômoda.
Somos o silêncio da cadeia, frágil, que se quebra em mil pedaços. Somos cadeados fechados, portas trancadas. Somos lâmpadas que para a sociedade, para os governantes, não acendem.
Lâmpada que não se acende é apenas noite.
Somos a treva e na treva permanecemos mergulhados.
As noites na cadeia são tão frágeis... tão frágeis...
E o grito, o grito e seu lamento dentro da noite?
Descubro quase sem querer, o dono do grito, a aflição dentro dele. Não era um lobo, não era um bicho, não era ladrão que gritava.

O dono do grito era eu... era eu... um agente penitenciário!

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