Todos os dias saía pela
manhã em direção da academia.
Passava em frente a uma
casa onde um casal de idosos tomava o sol das manhãs.
Notava-se neles a
cumplicidade que se constrói dentro dos muitos anos de convivência solidária,
olhar para um, era como perceber o outro, como se o envelhecer juntos houvesse
construído no outro a imagem do primeiro.
Esta é a melhor maneira de
envelhecer – juntos!
Esta arte os dois pareciam
dominar como poucos.
Ele passava e os olhava de
uma forma muito especial.
Todos os dias era um
ritual passageiro e ligeiro.
A vida é mesmo acelerada.
Olhava para ambos, que retribuíam
o olhar de expectativa que o passante lhes dirigia.
Havia no homem que passava
uma alegria e uma coisa boa que eles próprios não conseguiam explicar.
Para que explicar?
Existem coisas que são
melhores quando não merecem e não respeitam definições acadêmicas – estas coisas
foram feitas apenas para serem sentidas, assim elas são apenas absorvidas pelo
coração que é sensível e que está atento para as epifanias da vida.
O homem passava e lhes
dizia um bom dia que vinha de mãos dadas com um Deus vos abençoe.
Eles retribuíam com um
amém e quando iam dizer mais alguma coisa, o homem já havia passado.
Ele passava rápido – a juventude
é urgente, pensavam.
Para eles a urgência era
tolice.
Faziam poucas coisas e as
coisas que faziam eram sentidas, catalogadas, todas elas, como coisas
importantes de seu dia. Assim, tudo ganhava um sabor diferente, um sentido distinto,
viver prestando atenção na vida, mesmo que de uma forma muito simples (e lenta)
se tornava algo emocionante.
A juventude é esquecida.
Ela não entende disso.
Depois que ele passava,
eles se levantavam e adentravam em sua casa.
O sol amigo já começava a
ficar zangado e o aconchego do lar se tornava mais convidativo. Sombras também
tem seu valor. Quando se envelhece isso fica muito claro, tudo tem o seu tempo.
Eles entravam e aguardavam
o novo dia. Sabiam que o homem viria.
E para o passante, que se
ia desapercebido do bem que esparramava, ficava no seu coração a alegria de ver
os dois, ali todos os dias, um frente ao outro, conversando das coisas antigas
que lapidaram sua história.
Enquanto pensava isso, um
pensamento sombrio entrou nesse solar de meditações radiantes.
Nem sempre as sombras têm valor...
Um dia, o pensamento sinistro
sugeriu, eles não estarão mais lá...
Afastou aos trancos e
barrancos tal ideia.
Eles estão lá agora e é
isso que importa.
Devemos viver o agora
porque o amanhã não nos pertence.
Quando esse dia chegar,
pensou, entenderei que a vida é um doce sonho que passa e o gosto que ela deixa
é de saudades.