Já faz algum tempo que
não escrevo nada.
Essa esterilidade
momentânea não é rara e os motivos podem ser os mais diversos, entretanto, não
irei acariciar nenhum deles neste dia, minha atenção abraçará a história que
sobe neste palco branco, história que é admirável por natureza.
Todos os motivos se
tornam esquecidos quando a gente aprende a colocar nossos olhos nas belas
coisas da vida, assim se fabrica a poesia no viver, os poetas mais
extraordinários são os sábios, aqueles que sabem como olhar as coisas todas em
sua volta.
Porque se eu não souber
olhar, a cruz será apenas madeiro, jamais sacrifício de Deus por amor ao homem.
Se eu não souber olhar,
a salvação terá que ter um preço a pagar e nunca será graça, apenas graça.
Se eu não souber olhar,
o outono será apenas a estação das folhas, nunca a expectativa da primavera.
Se eu não souber olhar,
letras serão apenas rabiscos em uma folha, jamais palavras.
O que torna esta
história mais interessante é que ela não me chegou por meio do olhar de poeta.
Ela me foi abençoada através de um ouvido atento. Gosto de ouvir as pessoas, me
comunicar com elas, saber o que pensam sobre a cruz, como enxergam a salvação,
enfim, saber o que são para elas outonos e primaveras.
Um homem contou-me estes
fatos acerca de sua própria mãe que aos 73 anos ainda não sabia ler. Letras
para essa senhora eram outonos, nunca foi primavera. Para quem sabe ler, as
palavras são flores oferecidas num buque
de texto; para quem o ler é um universo desconhecido, palavras são apenas
folhas dispersas no chão do papel.
Um dia, sua esposa,
iluminada pela poesia da vida, tomou uma cartilha qualquer e untou-a com boa
vontade e doses generosas de amor e dedicação e começou a alfabetizar a sogra.
O dia que a velha senhora descobriu o “A” foi glorioso; o “I” foi ainda mais
especial – o I a lembrou da sua igreja.
Com muita perseverança e
carinho as letras foram mostrando suas faces à velha senhora e ela as foi
conhecendo pelo nome e se lhe tornando intimas amigas.
Um dia, quando começou
os ajuntamentos das letras, ela conheceu o êxtase – enfim, era apresentada as
palavras.
No dia em que aprendeu a
escrever seu nome, ela chorou.
A maior revelação de sua
vida, contou para o filho, foi o dia em que conseguiu ler João 3.16 por sua
própria conta – finalmente entendia o que era o amor absoluto.
O apogeu foi no banco,
quando foi renovar seus papéis de aposentadoria. A atendente que já a conhecia,
retirou de uma gaveta uma velha e suja almofada onde, por tantas e tantas vezes
ela esmagará o dedão. Em vez disso, solicitou uma caneta e, para espanto e
alegria da moça, assinou seu nome.
Naquele dia, a senhora
sentiu-se gente de verdade e desde então leu tudo o que pode até o dia de sua
morte, quatro anos atrás.
As coisas são mesmo assim...
A vida é mesmo assim...
Alguns olhares quando
colocados sobre as palavras são apenas outonos.
Alguns olhares, quando
sabiamente treinados, sobre as palavras são jardins de flores nas primaveras.
Aquela senhora na maior
parte de sua vida conheceu apenas outonos, até que um dia a poesia a visitou
por meio de sua nora. Então, e somente então, conheceu a primavera da leitura;
experimentou a poesia da transformação de sua vida, aprendeu definitivamente a
ler o mundo com seus próprios olhos.