quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

DEPOIS DO MAIS TENEBROSO PLANTÃO...




  Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não chegará a ti. Salmos 91:7


... Saí como quem foge do estresse mais sufocante.
O que seria para você a coisa mais estressante?
Vivo tempos onde esta inescrupulosa legião chamada estresse lança suas garras sobre mim, vinda de todos os lugares, em todas as formas e jeitos, com força e aptidão macabra.
Naquele dia, entretanto, escapei...
O plantão foi daqueles que tudo aconteceu, onde tudo não é apenas uma figura de linguagem.
Vou desprezar de falar da condição de trabalho do agente, falar disso é como pregar no deserto: cactos e lagartos não entendem de problemas penitenciários.
É assim que me sinto.
Num deserto, cercado por cactos e lagartos. Pregando para um vazio que não me escuta... nem o eco devolve minhas palavras...
Quando ganhei o exterior e o sol bateu na minha face, minha pele abriu todos os poros.
O sol é mesmo mais bonito aqui fora.
Respirei fundo. O ar encheu meus pulmões e senti-me vivo, vivo, vivo novamente.
O ar quente da cadeia havia ficado para trás.
Nada de fugas, de assassinatos, de cobertores curtos para cobrir postos, de maldade humana, de possibilidades de motins e rebeliões; de gente que cospe uma gosma todos os dias no colete, uma gosma feita de indiferença e ausência de compromisso com as coisas mais básicas do sistema.
Antes do sistema, existe o companheiro.
Antes do companheiro, devia existir a própria dignidade.
Se não houver esta dignidade construída da matéria prima mais barata das coisas triviais do cotidiano no agente, não existirá compromisso com o companheiro, nem com o sistema.
Naquele dia, depois da noite mais escura, escapei...
Peguei minha moto 150 e ganhei a rodovia.
Em dado momento, olhei para o céu azul e tudo estava tão lindo.
Fiz uma oração para meu Senhor agradecendo por ter escapado incólume após mil terem caído ao meu lado, e dez mil à minha direita, e nada, absolutamente nada chegou em mim.
Legião pensa que tem poder... mas o sangue de Jesus é bem maior.
Confesso que uma lágrima caiu pelo meu rosto e o vento forte a levou para molhar um pedaço do asfalto quente.
Chorava a alegria dessa comunhão de sentir Ele tão perto de mim, de saber que Ele cuida de mim e que estava com a gente, eu e meus companheiros, mesmo nos momentos mais tensos e perigosos.
Agradeci pelos meus companheiros, corajosos companheiros que dividem comigo a miséria de não ser reconhecido por nada e ninguém.
Somos gente esquecida do mundo.
Ninguém quer saber de nós.
Mas, escutando o ronco da moto, vendo o asfalto passar abaixo de mim, sobre minha cabeça o céu azul mais lindo, ao meu lado arvores e flores se abrindo belas para me encantar eu soube que nunca estarei sozinho de verdade.
Esqueça de mim, mundo, por gentileza!
Nada tenho e nada quero com você e sua honra barata.
Abracei meu Jesus na velocidade e no anseio de chegar em minha casa.
Depois do mais tenebroso plantão...
... veio a alegria mais intensa de se saber amado de verdade!

Não estamos sozinhos, meu companheiros!!!



terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

ELOGIO ÀS MARMITAS


Não existe utensílio mais nobre do que a marmita.
Ela confere ao seu portador a melhor dignidade.
Trabalhadores usam marmitas.
Sem querer dizer que, quem não usa marmita não é trabalhador.
A questão é que ela é um símbolo, um totem de sacrifício humano em produzir e construir.
Além disso existe outra questão, para mim mais importante, raramente marmitas são preparadas pela mesma pessoa que a irá usar, quem faz esse afazer é sempre outro, outro que derrama durante esse trabalho todo um sentimento  de alguém que cuida e ama; de alguém que se preocupa com o próximo; marmitas também são sinônimos de amor e solidariedade.
A maioria das pessoas vê marmitas com desdém.
Não conseguem enxergar nela o seu real valor. Não percebem que ela está sempre em seu lugar desconfortável, longe dos lugares nobres da cozinha e quando convocada apresenta-se para o trabalho sempre com o mais branco sorriso. Marmitas não têm preguiça, nem reclamam de nada, elas amam servir ao seu senhor e faz disso uma vocação despejando o melhor de si.
Marmitas sabem que, depois de tudo, depois que forem usadas muitas vezes com piadas humilhantes sobre elas, seu destino será retornar para o mesmo limbo, um universo onde habita o esquecimento.
Elas não se importam com isso, aprenderam a viver com o pouco que possuem esses raros momentos de protagonismo onde seu senhor desfila com elas de mãos dadas pelas ruas, praças, avenidas e empresas da cidade. Nessa hora elas são felizes, se sentem importantes.
Oh, marmitas! O que todos nós temos feito a vocês?
Eu não tenho nada melhor para lhes oferecer, como vocês sou pequeno e frágil, mas ainda que tudo isso seja pouco, lhes dou o meu reconhecimento pelo seu valor e nobreza.
Voces são singulares e poderosas, queridas marmitas! Saibam disso! Não deixem ninguém lhes convencer do contrário, o contrário é mentira.
E entre todas vocês, existe uma que especialmente cumprimento. E esta história aconteceu muito tempo atrás e me foi contada pelo meu amor mais lindo. Amor que também usa marmitas. Amo vocês marmitas, vocês cuidam do meu amor.
Esta era uma marmita pertencente a uma criança do campo, que assim como sua marmita também era nobre, digna, valorosa, trabalhadora, e, ainda assim, era humilhada diariamente pelos orgulhosos (tolos!) que acreditavam que a gordura saturada da cantina da escola lhes premiava ostentação e superioridade.
Um dia, esse grupo de tolos orgulhosos jogou a marmita dessa criança no chão e todos viram a comida se espalhando pelo frio chão da escola enquanto que a marmita rolava estrondosamente escadaria abaixo.
As lagrimas de vergonha da criança misturaram-se as lagrimas de escárnio dos ricos debochados.
O quadro pintado parecia de Salvador Dali.
De um lado, a marmita humilhada; do outro, os lanches de cantina exaltados.
Isso não é para mim, não quero conhecer esse mundo.
Mundo que prefere os indiferentes e frios lanches de cantina ao calor sentimental de uma marmita.
Sei e somente sei que precisamos de mais marmitas.
As pessoas necessitam delas, urgente.
Quanto a criança, ela sobreviveu, lembrem-se que tinha gente que enchia sua marmita todos os dias e essa mesma gente a protegeu e a amou, e ela cresceu,  se tornou um pai de família, foi produtivo para a sociedade e se tornou um servo do Senhor.
Os tolos orgulhosos??? Ah! Esses outros eram apenas lanches de cantina, desses que se compram em qualquer lugar...